1)Quais são as principais diferenças entre os conhecimentos do senso comum e da ciência? E
como
estabelecemo-as?
Creio, que antes de mais nada é preciso definir o que seja
senso comum e ciência. No dicionário Aurélio encontramos a seguinte
definição para a expressão senso comum:
Senso comum.
(Filos.)
Conjunto de opiniões tão geralmente aceitas em
época determinada que as opiniões contrárias aparecem como aberrações
individuais.
A
definição
não deixa dúvidas: opiniões geralmente aceitas em época determinada
. Isto significa que o senso comum varia com a época, ou melhor, de acordo com o conhecimento
relativo alcançado pela maioria numa determinado período histórico, embora possa
existir uma minoria mais evoluída que alcançou um conhecimento superior ao aceito pela
maioria. Estas minorias por destoarem deste "senso comum" são geralmente discriminadas.
A
História está cheia destes exemplos. O mais conhecido é o de Galileu. Em seu tempo o
senso comum considerava que a Terra era o centro do Universo e que o Sol girava em torno dela. Galileu ao
afirmar que era a Terra que girava em volta do Sol quase foi queimado pela Inquisição. Teve
que abjurar-se para salvar a vida. Esta opinião era tão arraigada na mente das pessoas que
até a própria Bíblia testemunha isto ao afirmar que Josué deteve o Sol.
É claro que a Terra não parava e o sol não começava a girar
à volta dela só pelo fato de que, na Bíblia, Josué assim dizia. (P.
Ubaldi). Hoje o senso comum mudou. Quem afirmar que o sol gira em torno da Terra será
considerado
no mínimo um louco pela maioria.
Inúmeros outros
casos da mudança do senso comum poderiam ser citados. Era crença no tempo das grandes
navegações de que o mundo era plano e quem navegasse pelo oceanos estaria sujeito a chegar
num
ponto onde terminava mundo e começava um abismo. Colombo e Fernão de Magalhães
demonstraram na prática que o mundo era redondo. Outro exemplo famoso foi a teoria da
geração espontânea dos micróbios que foi derrubada por Pasteur.
Um exemplo de senso comum ainda aceito pela maioria hoje em dia é o a
solidez da matéria. Nos altos círculos científicos esta já é uma
idéia superada. Um corpo físico não passa afinal de um estado vibratório que
apresenta a ilusão de densidade e impenetrabilidade, em função das altíssimas
velocidades das partículas constitutivas dos átomos. Paradoxalmente, a matéria
é, em última análise, um grande vazio, onde circulam partículas sub-atômicas,
que por sua vez também são constituídas de partículas ainda menores, e
estas, por outras ainda menores (Ex.: os quarks). Este processo pode estender-se ao infinito. Os
Induístas chamam isto de Grande Maya, ou seja, Grande ilusão. O que vemos afinal é
apenas uma aparência da realidade subjacente.Parece irônico que aquilo que se buscava
conhecer a fundo desvaneceu nas mãos da ciência quando se concluiu que a solidez, pedra de
toque da matéria, não passa de uma ilusão de nossos sentidos. O novo parâmetro,
aceito hoje, para definir a matéria é o cinético, ou seja, a energia.
Compreendido o que seja senso comum resta-nos entender o que seja
ciência
para que seja feito o confronto entre os dois termos. No exemplo acima, sobre a matéria, já
se
pode antever uma diferença significativa entre senso comum e ciência. O primeiro baseia-se
nos
sentidos, isto é, acredita no que vê ou sente ou naquilo que se tornou patente em virtude da
evolução do conhecimento graças aos avanços da segunda, que é, por sua
vez, menos crédula e procura através do raciocínio frio e dos métodos
experimentais a comprovação daquilo que os sentidos nos mostram. A história da
ciência demonstrou de sobejo que as coisas não são exatamente o que os sentidos nos
revelam. Assim podemos considerar a ciência como um método de pesquisa baseado na faculdade
racional do ser humano e na comprovação experimental do fato pesquisado.
Desta forma, há luta entre senso comum que se encontra na cauda do processo
do
conhecimento e a ciência que está na cabeça. A resistência inercial à
mudança de posturas consagradas pela tradição explica a reação a
qualquer
inovação no campo do conhecimento humano. É recomendável não confundir
ciência com tecnologia. A tecnologia pode ser encarada como o senso prático da ciência
e
por isso mesmo as suas novas aplicações não provocam celeumas. Já a
ciência pura ao apresentar uma nova visão de uma teoria já consagrada na
prática,
provoca,
muitas vezes, raivosas reações contrárias Este foi o caso do Evolucionismo de Darwin
que asseverava um parentesco entre o ser humano e os macacos. Até hoje, após uma centena de
anos, ainda se encontram pessoas radicalmente contra esta teoria, embora nos altos escalões da
ciência já seja um ponto pacífico.
Fica
fácil, agora, estabelecermos as diferenças. A ciência e o senso comum são dois
pólos de um mesmo fenômeno. O pólo ciência representa a parte dinâmica do
fenômeno que faz o conhecimento evoluir. É a fase construtora do conhecimento. O pólo
do
senso comum representa a fase conservadora do conhecimento e por isso tem a característica de
imobilidade, tendendo a se repetir em um ciclo fechado, eternamente, se não for fecundado pelo
dinamismo evolutivo da ciência. Ubaldi se manifestou sobre este tipo de fenômeno da seguinte
forma: Quando um fenômeno, por evolução, chegou a produzir-se uma vez, esta nova
posição se fixa na manifestação e o fenômeno, quase que por lei de
inércia (misoneísmo), tem tendência a continuar reproduzindo-se (a ontogênese
recapitula a filogênese) com um ritmo constante, enquanto a elaboração evolutiva,
devido
ao impulso divino interior, que compele à ascensão, não o modificar ainda
através de pressão e martelamento constantes, vencendo, assim, a misoneísmo, que
quereria
persistir
na linha de idêntica repetição. (P. Ubaldi – Deus e Universo). Em outro dos seus
livros (O Sistema) ele reforça esta posição: É o
misoneísmo da vida que resiste ao impulso renovador do progresso. Por isso, qualquer tentativa
nesse
sentido
perturba, é olhada com suspeitas, e são-lhe postos obstáculos. Tudo permaneceria
anquilosado nas velhas fórmulas, se se pudesse paralisar a evolução. Este
pensamento vem confirmar o que dissemos acima sobre a
discriminação das minorias
inovadoras.
2) Qual o paralelo entre a ciência antiga e
a
moderna?
Suponho que a diferença que pode haver entre
a
ciência do passado e a de hoje é talvez a diferente maneira de encarar a
interação entre o observador e a coisa observada. O pressuposto básico do
método de
observação consagrado no passado, e ainda vigente até hoje em certos círculos
científicos de orientação filosófica materialista, é a
independência entre sujeito e objeto, isto é, que o pesquisador não influi no
resultado da
experiência. Entretanto, já se admite hoje, na moderna Física Quantística, o
Princípio da Incerteza, enunciado por Heisenberg, que afirma que não podemos definir com
exatidão as propriedades de um fenômeno pois é impossível afastar a
interação do objeto com o observador.
Para
compreendermos isto, é necessário levar em consideração a
concepção Ubaldista de que o nosso Universo se individua por unidades trinas em que a
substância universal se
apresenta sob três aspectos: matéria, energia e pensamento. Sob o ponto de vista
estático o Universo é um organismo, um vir-a-ser no aspecto dinâmico e
um
organismo de princípios e leis no seu aspecto conceptual. O Universo está em
transformação contínua, passando por evolução de uma fase a
outra:
da matéria a energia e desta ao pensamento. Estas três fases representam diferentes
ní
veis evolutivos da substância, constituindo assim um sistema hierarquizado em que a fase pensamento
supera a fase energia e esta a fase matéria. Cada uma destas três fases da substância
é marcada por uma dimensão própria que estabelece os seus limites. Assim a
matéria tem como sua dimensão o espaço, a energia, o tempo e o
pensamento, a
consciência. Existe uma hierarquia entre os três termos: espaço, tempo e
consciência. A consciência supera o tempo (podemos pensar em termos de passado, presente
e
futuro) e este supera o espaço (pelo movimento); explica-se assim como a dimensão superior
influi e domina a inferior, e não ao contrário. Tudo é individuado no Universo,
sendo
que cada individuação é trina e, em conseqüência, os três aspectos
da
substância estão soldados numa mesma unidade orgânica indissolúvel. Estas
individualidades se reagrupam em unidades maiores para compensar e equilibrar o processo separatista da
individualização, constituindo assim um Todo orgânico unitário que se reduz a
um
monismo universal que abarca tudo o que existe. Sob uma visão monista é, pois, um
absurdo tentar isolar um determinado aspecto da substância, para evitar sua interação
com outro aspecto dessa mesma substância, já que estes aspectos fazem parte de um organismo
único e indivisível. Assim se vê com clareza, numa visão cosmológica, a
impossibilidade de separar o observador da coisa observada.
3)Como explicar
:
as elaborações científicas e os ideais de cientificidade são diferentes e
descontínuos"?
A questão acima está muito genérica,
mas,
creio eu que o teor da pergunta se refere a distância que separa o ideal de sua prática.
Para
nos situarmos melhor sobre este assunto vamos estabelecer a seguinte definição de ideal:
Aquilo que é objeto da
nossa mais alta aspiração intelectual, estética, espiritual, afetiva, ou de ordem
prática.
Por elaboração cientifica entendo que seja a aplicação dos conceitos
científicos na prática, ou seja, os avanços da tecnologia. No nosso mundo
involuído em que predomina a luta pela sobrevivência do mais forte, é usual que as
novas
descobertas cientificas sejam empregadas em primeiro lugar para fins bélicos de ataque e defesa.
Os
exemplos são muitos. A energia atômica para uso pacífico foi um subproduto da bomba
atômica. A Telecomunicação via satélites se originou da corrida espacial
durante
a guerra fria e o seu primeiro emprego foi o de espionar o inimigo. O objetivo da própria Internet
no
inicio era de interligar os centros de comando militar da força nuclear americana.
O esforço desinteressado de muitos cientistas idealistas do passado,
na
pesquisa da ciência pura, tais como Roentgen, Mme. Curie, Becquerel,
Rutherford , J.J. Thomson, Planck, Nils Bohr, Fermi, Einstein, desembocou na explosão de bombas
atômicas sobre o Japão, matando milhares de pessoas em poucos minutos. O ideal da
ciência
pela ciência de uns poucos, terminam quase sempre na mãos daqueles cujo interesse
máximo
é o domínio sobre outros homens. Assim a dicotomia que existe entre o Ideal e sua
realização na prática se explica pela involução da grande maioria da
humanidade. Só num segundo momento é que o ideal ressurge e transforma em benefícios
para a vida humana.
A aparente descontinuidade que parece
existir
no processo evolutivo é explicado pela oscilação que governa os fenômenos nos
seus desenvolvimentos. Oscilação que se realiza na particular dimensão do vir-a-ser,
num ciclo fechado sobre si mesmo. Ubaldi comenta: "Tal é então o duplo movimento no qual
consiste o vir-a-ser e a existência. Isto significa que em nosso universo não se pode
existir
senão movendo-se em direção involutiva ou movendo-se em direção
evolutiva: ou progredindo ou retrocedendo. (P. Ubaldi – A Descida dos Ideais)".
Todos os fenômenos do universo movem ora em direção evolutiva ora em
direção involutiva. A primeira vista isto pode parecer um ciclo vicioso, um beco sem
saída, mas, o ciclo não é fechado, trata-se na realidade de uma espiral (Veja a
figura
abaixo do livro A Grande Síntese). A linha quebrada deste gráfico, a cada ciclo evolutivo,
avança TRÊS passos no sentido evolutivo e DOIS no sentido involutivo. Ou seja, três
passos na direção positiva e dois no sentido negativo. Há, portanto, um saldo
positivo
(3 - 2), o que demonstra que as forças evolutivas superarão FATALMENTE as negativas. Ubaldi
comenta: Urge explicar essa técnica estranha de construção, mediante a qual a
evolução constrói, para depois demolir reconstruindo mais alto; em seguida tornar a
demolir para mais tarde reconstruir mais acima assim por diante. Que maneira estranha de avançar,
retrocedendo a cada passo! (P. Ubaldi - O Sistema)
Vê-se assim, que
a
evolução não é linear, daí a sua aparente descontinuidade. Para um
olhar
abrangente os fenômenos evolutivos parecem ziguezaguear ao longo do tempo, como o curso de um rio
cheio de meandros.