A TEORIA DA REENCARNAÇÃO
(Excertos do livro Problemas Atuais)
(1ª PARTE)
Façamos antes algumas
observações de caráter geral. Na Europa, a teoria da reencarnação, penetrou vinda da Ásia que a professa,
através da Teosofia. Tendo em vista que apenas culta minoria dos estudiosos se interessa por esses
problemas, ficando as massas indiferentes, o catolicismo não tomou posição de franco antagonismo contra tal
teoria. Afirmam sacerdotes cultos que a questão ainda não foi definida nos concílios e é portanto opinável,
isto é, sujeita a diversas opiniões. Outros pensam diversamente, conforme sejam por temperamento próprio
levados a simpatizar ou detestar a teoria. Sendo este um problema de que poucos, relativamente, na Europa,
se ocupam, e não sendo doutrina dominante de outra religião, o catolicismo não se preocupa, naquele
continente, de condená-la expressamente. No indiferentismo geral em relação aos problemas religiosos, ainda
que algum católico nela creia, ninguém com isso se preocupa, uma vez que isto não lesa a ninguém interesses
materiais, e que por tanto não são levados a reclamar.
Na América do Sul, e
sobretudo no Brasil, interessam-se as massas por essa doutrina, dado que faz parte integrante do espiritismo
de Allan Kardec aí difundido. A teoria da reencarnação é de clareza tão intuitiva e de logicidade tão
evidente que, da mesma forma que a existência de Deus, não sentimos necessidade até agora de ocupar-nos dele
diretamente, tanto mais que esta teoria está subentendida em cada página da Obra e implícita na solução de
cada problema. A melhor demonstração de uma teoria não é demonstrá-la, mas mostrar-lhe os resultados
positivos a cada passo. A melhor demonstração do fato de que temos pernas será o caminhar, sem recorrer a
dissertações comprobatórias sobre a existência e uso das pernas. Alhures prometemos que
daríamos provas decisivas desta matéria, e eis-nos a cumprir a nossa promessa.
A melhor prova que podemos dar da teoria da reencarnação é a
seguinte. O sistema de toda nossa Obra, já se pode agora verificar que resolve harmônica e logicamente,
fundindo-os num todo orgânico, os maiores problemas do conhecimento. Problemas menores, não diretamente
tratados, têm a solução implícita no sistema que lhes dá a chave. Posto isto, estamos autorizados a crer que
este sistema corresponde à realidade dos fatos. Qualquer problema, mesmo os não diretamente tratados, é de
possível solução no sistema, com os mesmos princípios e o mesmo procedimento por ele aceitos. Apresenta-se-
nos o todo como um edifício completo em cada uma de suas partes, das suas origens no Absoluto até os
particulares no contigente, apresenta-se-nos como um organismo em ação, em que cada componente está em seu
lugar, bem coordenado com o outro, mediante justa função e mata a atingir. O todo é regido por tão simples e
evidente lógica, que instintivamente persuade, tal como os conceitos axiomáticos que aceitamos todos sem
discutir. O todo é coligado e fundido num monismo absoluto, ou seja, é
estritamente unitário, reduzível a uma fórmula única e constituído por um só organismo em que se coordenam
todos os fenômenos mais díspares, desde os do mundo físico aos do mundo moral. Ora, ou esse sistema é
verdadeiro, ou o não é. Se é verdadeiro, temos a explicação racional de tudo. Se não é verdadeiro, recai
tudo na confusão, na contradição, no mistério. Se não quisermos escolher este segundo caminho, temos que
aceitar o primeiro.
Posto isto, verificamos que a teoria da reencarnação, se bem
que não demonstrada por nós até agora especificamente, dada sua evidência que fazia parecer supérfluo o
trabalho, é o ponto-chave, a pedra angular de todo o edifício, que sem ela cairia. Mesmo se a teoria da
reencarnação não ressaltasse por si mesma de lógica evidente, devemos admitir que se não poderia dar a essa
incógnita da equação, outro valor que o da reencarnação, pois todos os fenômenos, concordes com a lógica
mais cerrada, nos dizem que esse X só pode ter um significado no sentido reencarnacionista. Só esse valor pode colocar-se neste ponto do organismo lógico do todo. Com efeito
temos dois casos: ou à incógnita se dá esse valor, e então continua tudo a ser logicamente explicado e
resolvido até o fundo, sem resíduos; ou se lhe dá outro valor, e então, qualquer seja ele, tudo permanece insolúvel e incompreensível. Com isto não queremos diminuir a
importância daquilo que foi maravilha no seu tempo, a teologia de São Tomás. Mas ele não podia situar os
problemas por nós hoje situados e que o mundo moderno resolve com a ciência. Ninguém poderá dizer num
universo em marcha, que deva ser aquela a única, última e definitiva teologia de um mundo que, por força das
circunstâncias, deve e quer progredir.
Vimos que o conceito da
evolução é a espinha dorsal de todo o sistema, como segundo tempo da subida após a queda. Não podemos
parar na simples evolução da forma, no sentido Darwiniano. Pois esta mesma só se explica como evolução do
princípio espiritual que rege todas as formas, do qual estas são expressão. Por aqui se compreende a
utilidade da dor ao lado da bondade de Deus, e tantas outras coisas. Suprimamos esses conceitos e cairemos
num caos de contradições, em que triunfa não Deus, mas o mal. Ora, evolução espiritual só pode significar
reencarnação. Só a eterna existência de um eu pessoal pode permitir seu progresso, sua responsabilidade e
correção pela dor. Fora desse ponto de vista, a estrutura orgânica do todo perde seu significado e a grande
marca para a redenção em que tudo caminha, perde sua meta. A eterna existência de um eu pessoal é imposta
ainda por sua intrínseca natureza divina; isto quer dizer reconhecê-la e respeitá-la, porque tudo o que é
divino não pode ter princípio nem fim.
O eu nascendo na Terra,
representa desde os primeiros anos uma personalidade sua, já definida em seus pontos essenciais, que jamais
poderão os anos modificar completamente. Se quisermos atribuir uma lógica e justiça ao fato, de que nascemos
em posições e com qualidades tão diferentes, temos que admitir que isto é a conseqüência de um passado
próprio e individual que, em virtude do princípio universal de causa e efeito, nos acompanha em suas
conseqüências. Se assim não fora, outra coisa não nos caberia, senão declarar esse fato como injustiça e
recair nas trevas do mistério. Mesmo os animais nascem com instintos, como os homens com suas qualidades
pessoais. Quem fez isto? Não, a obra de Deus criador não pode ficar à mercê dos atos sexuais de tantos
inconscientes, para fornecer almas quando a estes mais agrade.
Além disso, deve haver proporção entre causa e efeito. Então,
não é possível que uma causa limitada no tempo (uma só vida) possa produzir um efeito de natureza ilimitado
(eternidade). Essa causa só poderá produzir um efeito a ela proporcional, da mesma ordem, isto é, limitado
por natureza. Ora, um pedaço de tempo e eternidade, ou seja, finito e infinito, são entidades de ordem
diversa. A eternidade jamais se poderá conseguir somando números finitos, por maiores que sejam, de unidades
limitadas de tempo.
Ademais, se não quisermos negar a eternidade do espírito após a
morte, temos que admitir em paralelo sua eternidade antes do nascimento. O universo é um organismo
equilibrado. Não pode haver balança com prato de um só lado. Não pode existir um semicírculo sem um
correspondente, inverso e complementar que o complete, que uma mesma quantidade seja avaliável, de um lado
em termos de infinito e de outro em termos de finito, isto é, que possa não ter fim o que teve princípio, é
um desequilíbrio inadmissível, um absurdo lógico e matemático. O universo é todo lógico. Não se pode ser
eterno só de um lado, isto é, só no futuro. Se quisermos admitir a sobrevivência da alma, é mister situar a
vida humana entre duas entidades da mesma natureza, entre duas entidades equivalentes, uma no passado e a
outra no futuro. Como uma linha, limitada de um lado e ilimitada de outro, é somente uma parte ou seção da
linha que só é completa se concebida como ilimitada e infinita de ambos os lados; assim a existência do
espírito no tempo, limitada de um lado (pelo nada do qual teria nascido) e eterna do outro, é apenas uma
parte ou seção de toda a vida do espírito, que só é completa, se concebida como eterna dos dois lados
(passado e futuro, infinito negativo e infinito positivo). Então se quisermos dar à vida um princípio com
nascimento, necessidade temos de dar-lhe um fim com a morte, como o fazem os materialistas. O que nasce deve
morrer. Somente o que não nasce não deve morrer. Se não quisermos dar à vida um fim com a morte, não lhe
podemos dar um princípio com o nascimento. Não há que fugir: se a alma foi criada no momento do nascimento,
deve terminar com a morte. Se não termina com a morte, deve preexistir ao nascimento.
Mas há outra razão em favor da reencarnação. Em nosso universo,
a existência de cada ser toma a forma do “tornar-se” ou transformismo, de modo que “existir” só pode
significar “tornar-se”. Ora, fixar o ser num estado definitivo, não mais sujeito ao caminho evolutivo ou
involutivo, como é o estado para sempre imutável do paraíso ou do inferno, significa paralisar o “tornar-
se”, que quer dizer paralisar a existência, ao menos qual a encontramos em nosso universo em evolução e
enquanto ele existir em tal forma. Se o ser quer continuar a existir, deve pois continuar seu transformismo
ou caminho evolutivo, mesmo depois da morte, como nos indica a reencarnação. Há um termo ao “tornar-se, mas
só no fim do processo evolutivo, e com a perfeição atingida no regresso a Deus.
Os vários grupos humanos poderão sustentar o que quiserem
segundo seus interesses. Mas a reencarnação é uma verdade biológica positiva, que hoje pertence já a
ciência; é fato objetivo independente das afirmações de qualquer escola ou religião. A essa doutrina se
refere o próprio Evangelho, que sem ela seria incompreensível em vários pontos.
* * *
Procuremos encarar o
problema mais de perto, em seus pormenores. Não basta, às vezes, que verdadeira seja uma teoria para que se
possa apresentá-la a todos. Pode-se então assistir, nos países reencarnacionistas ao triste espetáculo da
caça ao próprio passado, feita como um jogo, por leviandade e curiosidade vã, só para saber quais foram as
próprias encarnações anteriores. Afirmar a teoria como princípio, significa sustentar uma verdade..
abandonar-se a uma pesquisa de advinhos, na qual pode-se esconder o orgulho e dominar a fantasia, é, pelo
contrário, mais condizente a desacreditar que confirmar a teoria da reencarnação. Muitos, com efeito,
pretendem rever-se de preferência não nos comuns desconhecidos, mas em personagens históricas, o que é pouco
provável, pois estes representam muito poucos lugares vagos em relação ao número de pretendentes. Verifica-
se o caso de várias pessoas vivas afirmarem ter sido a mesma personagem do passado. E tudo isso é feito sem
possibilidade de controle; mas é elementar e mesmo regra de honestidade, que se não tenha o direito de fazer
nenhuma afirmação gratuitamente, isto é, quando não se não possam aduzir provas tanto para os outros como
para si mesmos. Assim, o povo simples e fantasioso, ainda que sem malícia e certamente de boa fé, pode
construir lendas destituídas de qualquer fundamento e só a base de vagos indícios, hipóteses e elementos
incontroláveis. A teoria da reencarnação é uma coisa séria e não deve ser usada para satisfazer vã
curiosidade. Quem chega a ter intuições a respeito, estude a si mesmo, faça pesquisas íntimas para conhecer-
se e reconstruir a história de seu destino, para melhor trabalhar de acordo
com a lei de Deus. Mas é bom não divulgar isto, ao menos até achar confirmações em provas positivas,
por todos aceitáveis.
Assim, igualmente prudente se deveria ser na pesquisa das
causas que justifiquem o atual destino e condições de vida de outrem. Aplicando a lei dos opostos, isto é, o
princípio geral de que cada abuso gera carências, fácil é imaginar que cada privação e dor presente seja a
conseqüência de um excesso passado em sentido contrário. Mas, se este é o princípio, não nos autoriza a
julgar o próximo em casos particulares, pois muitas são as formas de reação da Lei e muitos os elementos que
nela concorrem. Nosso julgamento será tanto mais inoportuno, quanto mais tender a transformar-se em fácil
condenação e a libertar-nos do dever da piedade e da ajuda. Não aproveitemos desgraças do próximo, só para
nela ver justa punição da Lei, pois assim nós também nos tornaremos culpados. Recordemo-nos ainda de que se
trata de afirmações gratuitas que, se são aplicações de princípios gerais correspondente à verdade, não
oferecem em cada caso particular, nenhuma possibilidade de controle, e, portanto, podem ser puro trabalho de
fantasia. Ninguém pode dizer com segurança que aquelas culpas com que explicamos as dores de alguém, tenham
sido de fato por ele cometidas.
Entretanto, não se pode
desconhecer o bem que faz essa teoria a qual, de forma mais convincente que a das penas eternas, mostra de
modo prático e próximo a nós como tudo se paga neste mesmo mundo, com as dores que conhecemos, explicando-
nos a presença dessas dores entre nós com uma exata proporção ao mal cometido, com lógico reverso de
posições como um instintivo sentido de justiça nos diz que deve ser. Assim, o pagamento do erro se faz de
forma tal que todos possam ver em ação, na vida prática, bem como em forma específica e estritamente
pessoal. Só assim podem explicar, de acordo com a justiça de Deus, tantas injustiças aparentes; e dessa
forma resulta a dor como guindada à função benigna de escola e de prova imposta por um Deus bom, só para
nosso bem. É este o único modo de poder conciliar o fato de tantas vidas desgraçadas, com a bondade e
justiça de Deus. Os outros sistemas não resolvem o problema e, deixando-o envolto em mistério, tendem
infelizmente a levar quem queira um pouco indagar e raciocinar, a tristemente concluir com o absurdo da
maldade ou, pelo menos, da insapiência do Criador. Ora, não podemos negar que, por mais que se queira fugir
da lógica no terreno religioso, esta tenha grande importância, tanta em si mesma como prova, quanto como
elemento persuasivo e tranquilizador que permite aceitar os fatos, especialmente os mais duros para nós, com
mais clareza e convicção e portanto com maior sentido de obediência. E a teoria da reencarnação, não há que
negar, corresponde à lógica perfeita, em que cada elemento é enquadrado na forma mais simples e persuasiva.
Deus é lógico, opera logicamente, e o universo é uma construção lógica, um organismo racionalmente
funcionando. Tudo o que se coaduna com esta qualidade fundamental do sistema tem, pois, probabilidade
imensamente maior de ser verdadeiro, isto é, correspondente à realidade. A teoria do inferno eterno,
considerada sem paixão, com a finalidade de não concluir a favor de uma religião ou de outra, mas apenas de
conhecer a verdade, não se sustém diante da teoria reencarnacionista, ainda que possa ser explicada como um
terrorismo psicológico, produto de tempos ferozes, necessário para gente feroz. O inferno nasceu das trevas
da longa noite medieval, bem explicável, dada a dureza dos tempos, como forma de psicose coletiva que
invadira todas as manifestações da vida, e portanto também da religião.
Mas há outros fatos. A teoria da reencarnação está em harmonia
com as leis da natureza que conhecemos, como a indestrutibilidade da substância, pela qual, se as mudanças
se operam só na forma, a personalidade humana poderá mudar, mas não ser destruída. Essa teoria é a
ampliação, no campo moral, da lei de conservação da energia, estabelecida pelos físicos. Enfim, só essa
doutrina se coaduna com o que poderíamos chamar de hábitos fenomênicos do universo. Este costuma funcionar
por ciclos e retornos, e nunca por bruscas inovações, muito menos por formação imediata de elementos novos,
mas só por lenta transformação dos já existentes. Tudo só irá nascer de uma precedente forma diversa, em que
ex-novo – do desconhecido já existia. Essa idéia da criação do nada
e “ex-novo”, seja para a alma como para qualquer outra individuação do ser, representa tão flagrante
contradição com tudo o que normalmente acontece de fato e constituiria, na soberana ordem do universo, uma
tão estridente desordem, que na lógica do sistema, nos apareceria como um absurdo. Se a estrutura do
existir, em nosso universo, repete sempre o modelo central ou tipo, dado pela unidade interiormente cindida
em dualismo, e portanto o ser não é concebível senão em função de seu contrário, o não-ser; se tudo volta e
torna a voltar e nasce dessa sua volta; se tudo é cíclico, como poderia o existir, que é sempre bi-polar,
mesmo no caso da pessoa humana, ser manco ou falho, só metade, sem a outra metade inversa e complementar,
única que a pode tornar completa?
Quebra-se assim o
equilíbrio e a própria continuidade fenomênica, que é um fato fundamental da nossa cotidiana experiência. Só
o fenômeno da vida humana, só esse, iria de encontro à corrente seguida por todos demais fenômenos, e nos
apareceria assim desconexo deles, como desligado do fenômeno semelhante da vida de todos os outros seres
que, não se sabe a razão, sendo igualmente vida, seriam regidos por lei diversa. Não haveria neles um
princípio espiritual. Mas sem a indestrutibilidade e eternidade deste, para todos, que centro conservaria as
experiências da vida, onde acumularia o patrimônio dos instintos e qualidades adquiridas, como seria
possível o aperfeiçoamento longo e lento que constitui a evolução? Como pode um inseto evoluir com uma vida
de apenas poucos meses? Que pode ele aprender e registrar? E no entanto, vemo-lo nascer com uma sabedoria
sua, que é suficiente para resolver todos os problemas da sua vida. Como pode um homem, numa vida com a
máxima média de 80 anos, aprender toda a sabedoria, exaurir todas as experiências, adquirir méritos ou
deméritos da tal envergadura e valor, para produzir conseqüências eternas? Mas o nosso universo é um
organismo de impulsos e movimentos proporcionados. Uma causa tão minúscula não pode produzir efeitos tão
gigantescos, um átimo de vida vivida, muitas vezes sem compreensão alguma, pode produzir conseqüências
irreparáveis e definitivas. Em outros termos, não há unidade de medida que, ao mesmo tempo, possa servir par
medir o finito e o infinito. Como se vê, se abolirmos a teoria da reencarnação, demoliremos todo o sistema
construtivo da evolução, e tudo rui no absurdo, ao invés de formar um organismo lógico.
Como Einstein pôde só com processos de lógica matemática,
atingir conclusões que depois a observação e a experiência confirmaram, assim podemos apenas pelos processos
da lógica e do raciocínio, chegar a demonstrar uma verdade da teoria da reencarnação, à espera que a
observação e a experiência confirmem nossas conclusões, mesmo se hoje não for isto possível faltando à
ciência meios positivos para dominar e penetrar tais fenômenos.
Entretanto, acontece um fato importante: a teoria da reencarnação sai do terreno empírico das religiões e da
fé, para entrar no positivo da ciência. A demonstração racional é o primeiro passo, o controle experimental
será o segundo. Por controle experimental, entendemos métodos de observação positiva, cientificamente
exatos, submetidos a controle severo, apenas possíveis quando as ciências psicológicas e sobretudo das
radiações estiverem mais desenvolvidas. Aqui podemos apenas dar o primeiro passo, mas este é suficiente para
indicar em que direção deverá dar-se o segundo. O atual método fideístico é útil e necessário para as massas
apenas pelos processos de lógica e raciocínio, merece pois o nosso máximo respeito. A fé não é suficiente,
porém, para explicar e impor ao mundo essa teoria, o que só pode fazer com a demonstração e a experiência,
isto é, com os meios da ciência positiva, aceita por todos.
A teoria da evolução, em
que se baseia o sistema das duas Obras que estou escrevendo, teoria que o mundo admite, implica a
conservação dos valores que o ser adquire, através da experiência da vida. Vive-se para aprender e só o
aprender valoriza o viver. Ora, diz-nos a lógica que, sem reencarnação, a conservação dos maiores valores da
vida é impossível, porque lhes falta o fio condutor da evolução. Então, sem reencarnação, perderia o sistema
do universo todo o poder de recuperação, para corrigir sua imperfeição e voltar à perfeição, e a dor seria
um tormento sem sentido, nem escopo útil. Ora, não é possível tão flagrante contradição, logo no centro de
um sistema que sabemos ser lógico e estritamente utilitário. É absurdo que ele, em seu ponto mais vital,
renegue seus princípios fundamentais. Herdar todo o passado, sem que nada se perca de tudo o que se viveu,
sem que nada se desperdice desse trabalho fundamental ao qual foi confiada a reconstrução do eu, é essa uma
necessidade absoluta e insuprimível, porque sem ela não desaba uma religião, uma filosofia, ou um grupo
humano que lhes está conexo, mas desaba a lógica de todo o universo.
Estudamos o problema da hereditariedade no fim do volume “A
Nova Civilização do Terceiro Milênio”. Vimos (cap. XXVII e XXVIII sobre a “Personalidade humana”) que há
dois tipos de registro, o recente e o atávico, o novo e o velho, isto é, o que nos fazemos e o que fizeram
nossos ancestrais. Vimos que tudo se transmite, sem que a evolução não poderia dar-se. Vimos que duas são as
forças de hereditariedade que funcionam como canais de transmissão, ou seja, que ao lado da hereditariedade
fisiológica (pais-filhos) há uma hereditariedade espiritual própria, individual. Dois são, portanto, os
caminhos aptos a transmissão dos resultados das anteriores experiências: um caminho para as do corpo,
transmitidas através da carne, e outro para as do espírito, transmitidas através da alma. “O que nasce da
carne é carne, mas o que nasce do espírito é espírito” (João, 3:6). Assim, o nosso ser que nasce, traz
consigo não só uma memória biológica, que guia a reconstrução do organismo, repetindo sus história celular
continuada através da hereditariedade fisiológica, mas também um destino, que é conseqüência do passado
pessoal de cada um, por ele semeado antes livremente e que agora o acompanha em forma de determinismo fatal,
transmitindo tudo isso através de uma paralela hereditariedade espiritual. Este último conceito está
desenvolvido no cap. XXIV “Nosso destino livre”, do mesmo volume citado: “A Nova Civilização do Terceiro
Milênio”.
Então, duas formas de continuidade: a biológica e a espiritual.
A primeira para continuar a estrutura atávica, o tipo biológico já construído, ainda que a ele acrescentado
contínuos aperfeiçoamentos. A segunda para continuar, não no plano biológico, mas no espiritual e moral, o
desenvolvimento do próprio tipo de personalidade, de acordo com as premissas já colocadas, a este trazendo
novos aperfeiçoamentos. Achamo-nos sempre, nos dois planos, diante do mesmo fenômeno, pelo qual é sempre o
passado que preside ao desenvolvimento presente e futuro (Lei de causalidade). Deste modo, cada novo
indivíduo nasce com seu destino biológico, conseqüência de seu passado biológico vivido na carne dos pais; e
com seu destino espiritual, conseqüência de seu passado espiritual, pessoalmente vivido por sua alma. Dois
destinos necessariamente sintonizados pela escolha (consciente ou inconsciente) feita pelo espírito ao
reencarnar-se, dois destinos influenciando-se reciprocamente em seu desenvolvimento harmonizados, que se
fundem, enquanto dura a vida na Terra, num só destino. Poder-se-ia chamá-lo um composto, um complexo físico-
espiritual, de que depende o período de vida que o ser percorre em nosso mundo.
O primeiro germe destes conceitos está na “Grande Síntese”
(“Instintos e Automatismos”) e, em muitos outros pontos dos volumes que se seguiram, foram controlados e
desenvolvidos em harmonia com o sistema. Pode o leitor achá-los por si, quase a cada passo da Obra. Trata-se
aqui apenas de restringir as fileiras convergentes para as soluções finais neste capítulo; trata-se de puxar
as redes para concluir. Foram esses problemas tratados lá separadamente e diversamente enquadrados, em
relação a outros pontos de referência e para alcançar outras conclusões. Mas os observamos agora, aqui, em
síntese, para deles fazer a plataforma destas conclusões em favor da teoria da reencarnação. Era mister ter
concluído esse longo caminho através de tantos meandros da fenomenologia universal, para ter agora pronta,
em mãos, já alcançada, a solução de tantos problemas menores e mais particulares, sobre os quais, nesta fase
de síntese, não é mais possível determo-nos. Só agora, nesta última fase, é possível pôr de acordo as
soluções particulares, fazendo-as convergir para uma solução única, que, a uma voz, constituída de muitas
vozes diversas e concordantes, de todos os lados nos repete: reencarnação. Para destruir esta teoria, mister
seria demolir muitas conclusões já conseguidas, anular muitas soluções que nos satisfizeram e persuadiram.
Trabalho longo, mas só assim podemos chegar às afirmações definitivas, bem como couraçados por observações,
experiência, soluções e conclusões, apoiadas em sólidas bases que difícil será abalar, porque seria preciso
destruir um sistema completo, que se demonstrou lógico e satisfatório, porque resolve sem deixar resíduos os
fundamentais problemas do conhecimento. Aqui, a reencarnação não é apresentada como fenômeno isolado que se
propõe e se resolve desligado e independente dos outros. Esta teoria aqui se apresenta, não avulsa, mas em
conexão com toda fenomenologia universal; não como coisa per si, mas como pedra incrustada no edifício do
universo, o qual sem ela ruiria; não como um corpo separado funcionando por si, mas como um órgão tão vital,
que sem ele o grande organismo do todo não pode funcionar.
* * *
Mas focalizemos de novo, em particular, o problema da
reencarnação. Só esta teoria nos deixa aberto o canal de transmissão dos resultados da experiência da vida.
Totalmente insuficiente é a hereditariedade fisiológica para os filhos que nascem, sobretudo quando os pais
são ainda jovens, e portanto possuem quantidade mínima de experiência a transmitir. Para que pudesse ser
transmitida aos filhos, ao menos a maior parte dela, seria indispensável que os pais gerassem em avançada
idade, quase no fim de suas vidas. Ao contrário, a reprodução é confiada aos jovens, mais aptos
materialmente, e menos maduros espiritualmente. A hereditariedade fisiológica não pode, pois, ser o caminho
para a transmissão das qualidades intelectuais e morais que são as mais importantes. Deve então haver outro
caminho que não possibilita a perda de nenhuma experiência.
Outra objeção surge.
Rebela-se nossa mente ao conceito que a personalidade do filho deva estar exclusivamente dependente da
personalidade dos pais, sofrendo-lhes as conseqüências de alegria ou dor, submetidos a causas estranhas a
seus próprios atos, e igualmente injustas por que não merecidas. Que um fato de tal monta, com cargo de
responsabilidades e conseqüências como um destino de alegrias e dores, deva depender do capricho de dois
seres que geram quando querem; que um fato tão vital e importante tenha que derivar da vontade às vezes de
inconscientes; que o próprio Deus deva permanecer à disposição destes para realizar a criação de uma alma
adequada, no momento por eles escolhido; tudo isto representa tal contradição e absurdo na ordem do
universo, que se torna inconcebível, para quem dele tenha compreendido um pouco o perfeito funcionamento.
Rebela-se a mente à idéia de poder alguém pagar por culpas não exclusivamente suas. Revolta-se totalmente o
senso instintivo de justiça se tiver que admitir que o nascer em determinado ambiente, receber nele
determinada educação, ter de assumir o tipo biológico e a carne, sadia ou enferma dos pais, com os instintos
anexos, bons ou maus, o ter de herdar condições de vida em que se baseará o nosso destino, revolta-nos a
alma ter que admitir que tudo isso seja devido ao acaso, e esteja na dependência da escolha sexual e do
capricho dos pais, isto é, nas condições produzidas por outros e não estritamente nossas, pessoais. Não
podemos acreditar nisto; o admiti-lo nos choca e ofende, porque de tudo isto pode resultar uma existência de
alegria ou de dor, que nos pode tornar satisfeitos ou fazermos odiar a vida até ao desespero. Não se pode
ficar agnóstico e indiferente diante da primeira fonte de nosso destino. E não podemos ficar persuadidos dos
fatos gravíssimos que disto resultam, e portanto aceitá-los, se não virmos que dessa fonte tudo nasce com
lógica e justiça. Não sendo assim, a consciência dará razão ao instinto de revolta, acrescentando às tristes
condições de fato, o inferno na alma. Então, no caso dos filhos destinados apenas aos delitos, às doenças, à
dor, eles teriam o direito de amaldiçoar quem lhes deu uma vida triste, não pedida. Então a união para gerar
poderia antes aparecer como a associação de dois seres egoístas, que, por seu exclusivo prazer, podem
impunemente cometer um delito em dano a um terceiro, o filho incapaz de defender-se. E a lógica dos fatos
autorizaria esta maldição a dirigir-se até Deus, pois que ninguém saberia justificá-lo pelo fato de uma
criação de almas tão diferentes e em tão diversas condições, quando a justiça exigiria que almas novas
fossem criadas todas iguais e ao menos assim o fosse ao nascer.
No sistema
reencarnacionista o eu é uma individuação eterna, personalidade em formação pela evolução, única responsável
diante da Lei; personalidade que colhe em bem ou mal, sob a forma de destino, o que ela quis livremente
semear. Só assim a ninguém se pode culpar, e em cada caso apenas aceitar e bater no peito, até alegando-se
mesmo, porque corrigido o erro e aprendida a lição com a prova, tudo se restabelece, na ordem que foi
violada e na alegria ansiada. Assim a mente compreende, e quem compreendeu pode aceitar melhor e saber
sofrer, sem culpar a outros, mas apenas a si mesmo; pode, suportando melhor, adaptar-se à sua dura posição
de dor, quando sabe a função corretiva desta. As idéias de punição e vingança excitam a revolta contra Deus,
que então aparece egoísta e injusto. Na realidade, todos nós somos filhos apenas de nós mesmos, e nossa
posição presente é conseqüência fatal de nosso passado livre. Os pais nos dão o corpo físico, da mesma
natureza que os seus, mas não a alma. Só nosso corpo de carne é filho de sua carne; nosso espírito, porém, é
filho apenas de suas próprias obras. É o nosso eu que escolhe em que ambiente nascer e, se o não sabe ainda
fazer, é nisto guiado pelas sábias forças da vida. É evidente a todos que as crianças têm uma personalidade
sua própria desde pequenos. Esta, desde o início, é bem definida, de modo que a seguir, mesmo delineando-se
melhor nos particulares, continua idêntica e irremovível em suas notas fundamentais. É assim que o gênio não
se transmite, porque não é filho dos pais. É assim que entre irmãos, se há semelhanças exteriores, as
personalidades são inconfundíveis, e com freqüência são diferentíssimas. E se há afinidade entre pais e
filhos, esta é dada pelo corpo, resulta do ambiente comum, mas sobretudo da necessidade de que as almas
sejam afins, para que uma possa avizinhar-se tanto da outra, que chegue a vestir-se com a mesma carne. Para
revestir-se com uma carne da mesma natureza, é necessária uma sintonização espiritual. Assim se explica
também, ainda que isto nem sempre se verifique, certa nota espiritual semelhante entre pais e filhos.
As observações em favor da tese reencarnacionista são muitas,
porque com ela tudo se explica, sem ela se confunde tudo. Se só houvesse o canal da hereditariedade
fisiológica, depois de passada a época da reprodução, que significado experimental teria a vida no sentido
da evolução? Nenhum. Seria tempo perdido. Aprender-se-ia uma lição toda terrestre, em função da vida física,
para usufruir um ócio eterno num mundo espiritual, sem corpo e sem a nossa matéria, em um ambiente em que
não se compreende como poderiam ser utilizadas essas qualidades. Como pode uma experiência todo material
servir de escola a fim de preparar-se para uma vida totalmente espiritual? Quando somos jovens temos força,
mas não a experiência. Quando somos velhos, temos a experiência, mas a força e a vida desaparecem. É verdade
que os jovens, vivendo, usam a força para transformá-la em experiência. Mas essa experiência não é usada na
terra, porque sobrevêm a morte; não se transmite aos filhos porque nascidos há muito tempo; e, nos ambientes
não terrestres, é de uso difícil. Para que serviria então este conhecimento terreno específico, se não se
regressasse à terra, onde somente aí, pode ele ser usado? E com efeito vemos nascerem pessoas com qualidades
inatas, atitudes instintivas de caráter nitidamente humano, que só podem explicar-se como resultado de um
trabalho terreno precedente de construção. Não há outro modo de explicar-se isto, num universo em que nada
se cria e nada se destrói.
Mas com isto são explicados também outros fatos. Sem a
reencarnação, a vida dos solteiros estaria perdida para a evolução. Se a continuação do processo evolutivo
fosse confiada somente à hereditariedade fisiológica, a vontade de qualquer um em permanecer celibatário
teria o poder de intervir no coração da Lei e paralisá-la em seu processo mais substancial. A teoria da
criação da alma no nascimento é estritamente individualista e ignora o importantíssimo aspecto coletivo da
vida, que considera cada um como uma célula de organismos étnicos muito mais vastos. Permaneceria ainda o
mistério dos que morrem crianças. Com a teoria reencarnacionista, não representa isto, senão uma tentativa,
sem êxito apenas na carne, mas que o espírito pode recomeçar sempre com melhores resultados, para prosseguir
sua evolução, e talvez até de modo mais eficiente, após haver superado isto, que pode ter sido uma prova ou
nova experiência. Mas, com a teoria da criação no nascimento e da vida única, que significado teria uma
vida, sem tempo de fazer experiências, e com que direito pode ela pretender o mesmo paraíso que os outros
devem conquistar duramente, com uma vida de renúncias e dores?
Se a evolução só atuasse pelo canal da hereditariedade
fisiológica, então o gênio, o super-homem, que são valores biológicos maiores, deveriam ser os mais
prolíficos. E ao contrário, quanto mais é evoluído o ser, menos tende a reproduzir-se. Quer então a vida
perder seus maiores valores? Não. Na realidade esses valores se transmitem por outros canais, os da
hereditariedade espiritual. E assim se explica como gênios e super-homens renasçam sem seguir os caminhos da
hereditariedade fisiológica. Se não houvesse reencarnação, quanto mais fosse evoluído o indivíduo, mais
facilmente se perderia como valor biológico, tendendo a desaparecer da raça humana. Contradições e absurdos,
que a lógica da vida não pode conter. Ao contrário, quem dá tudo de si, colherá o que semeou e como o tenha
semeado e, através de suas experiências, poder enriquecer a si e aos outros. Nosso planeta é o terreno que
devemos cultivar, e conforme queiramos fazê-lo um deserto ou um jardim, aqui morreremos dilacerados ou
repousaremos felizes, como resultado daquilo que quisemos fazer.
A consciência e o conhecimento instintivo com que nascemos, não
é uma característica nossa, genérica, igual para todos, mas é um conjunto de qualidades específicas,
diferentes de indivíduo para indivíduo, do qual formam o caráter particular e a personalidade. Essas
qualidades, pelo fato de se apresentarem aptas e proporcionadas ao ambiente terrestre, onde deve justamente
usá-las o homem, demonstram um conhecimento específico das condições deste ambiente. Daí deduziremos que
devem ter sido aí formadas e não alhures, isto é, serem frutos de uma experiência terrestre. Certo, sem
dúvida, que não é no céu que essas atitudes de índole prevalentemente material, quase todas em função e
dependentes da vida física, se podem haver formado. O espírito que guia os primeiros atos da criança,
demonstra saber retomar o caminho da vida material, dando provas de ter um conhecimento já adquirido e
possuído. Aderente às suas condições físicas terrestres, conhecimento nada metafísico, que possa fazer
pensar numa direta e imediata filiação do mundo altíssimo do Absoluto divino. Esta poderá revelar-se mais
tarde, mas só em proporção ao grau de evolução atingido, isto é, do caminho já percorrido ou da maturidade
elaborada através de longuíssima série de experiências. Poderá revelar-se mais tarde, mas só em proporção ao
trecho de subida que o ser soube realizar, para Deus, com o esforço próprio pessoal evolutivo de redenção.
Revelar-se-á, pois em graus diversos e para os involuídos, não se revelará em absoluto; revelar-se-á como
resultado de uma conquista própria e laboriosa, em diferentes proporções de acordo com esta, e não como um
dom gratuito de Deus, dom que, então, a justiça quereria que fosse igual e, mesmo que tarde, se manifestasse
para todos igual.
É evidente que a alma que se encontra na Terra demonstra, por
suas atitudes, que provém de uma experiência terrestre e não celeste. Os meninos, guiados por um instinto de
luta, são turbulentos, audaciosos, levados a brincar com armas (conquista violenta). As meninas, levadas
pelo instinto materno, são tranqüilas, afetuosas, inclinadas a brincar com bonecas (cuidado dos filhos). E
estas são qualidades da personalidade, não do corpo físico. As almas são diferenciadas segundo tipos
diversos, e demonstram conhecer e saber aplicar as fundamentais leis biológicas, isto é, a luta pela seleção
do mais forte e a reprodução e defesa da vida. A alma aparece na Terra como uma entidade fundida com a
realidade biológica, e não como um produto abstrato metafísico. Dizem que as almas não tem sexo, e isto é
verdadeiro no sentido terreno, mas possuem as qualidades que depois, na Terra, formam o substrato próprio ao
biótipo de um sexo ou do outro. Assim, no espírito macho dominará o instinto de domínio, a inteligência, a
vontade; no espírito feminino a obediência, a intuição, o amor. As qualidades fundamentais que depois
formarão o biótipo masculino ou feminino, estão antes de tudo na alma que, embora não tenha sexo, dele
possui os elementos basilares. Vemos assim na Terra almas do tipo masculino encarnadas em corpos sexualmente
masculinos, da mesma forma que em corpos sexualmente femininos: e ao contrário, almas do tipo feminino,
encarnadas em corpos sexualmente femininos, como também em corpos sexualmente masculinos. E tudo isto,
permanecendo na normalidade, sem que implique de modo algum inversão sexual; mostra-nos isto que a
personalidade espiritual é independente da veste orgânica que vem assumir no corpo. Um espírito dotado de
qualidades viris assim permanece, qualquer que seja o tipo de corpo que para si escolha, e assim para um
espírito dotado de qualidades femininas, mesmo mantendo-se eles no âmbito da normalidade sexual, de acordo
com o tipo masculino ou feminino de seu corpo. Tudo isto é explicável e compreensível, porque a evolução
tende à unificação da unidade quebrada no dualismo universal, e neste caso à formação de um biótipo
completo, em que se refundam as duas metades, macho e fêmea. Para atingir essa reunificação, ambos os
biótipos espirituais, com as qualidades masculinas e femininas precisam atravessar todas as experiências,
tanto do próprio tipo sexual como do oposto, pois só assim, somando-se e completando mutuamente suas
complementações. Podem fundir-se e assim formar o biótipo completo, em que coexistem todas as qualidades do
ser, e daí a cisão, devida à queda do sistema, pode resultar sanada.
Não se pode negar, e no-lo mostra a observação, que cada alma,
encarnando-se na Terra, traz consigo como um feixe de impulsos seus, que depois obrigarão sua vida terrena a
tomar esta ou aquela direção. Quantos acontecimentos em nossa vida tendem a realizar-se como por força
própria, impondo-se, à nossa própria vontade; e quantos, por mais que façamos, jamais conseguiremos traduzí-
los em realidade! Vemos pois que a alma encarnando-se, traz consigo um destino específico, seu particular,
que será como o roteiro no qual tenderá a realizar sua vida. Sem dúvida, se o futuro é sempre livre, o
passado nele marcou pontos fixos, de passagem obrigatória, dos quais se não pode fugir. E isto continua
verdadeiro, ainda que o cinzento dominante na maior parte dos destinos, constituídos de pequenas coisas, o
torne menos visível. Mostra tudo isso que, quando nasce o homem, já foram colocadas diante de sua vida
premissas que depois é difícil abalar. Se isto é um fato de observação, o senso da justiça diz-nos que essas
premissas devem ter sido postas por ele mesmo. Essas premissas, partindo de seu primeiro estado espiritual,
depois dinâmico, chegam em forma imponderável ao estado de impulso ou força, e materializam-se nas condições
concretas de ambiente, constituição física etc., que formarão o tipo de cenário em que a alma viverá sua
vida, isto é, o terreno sobre o qual se desenrolará sua vida.
Em tais bases se eleva a obra de construção do edifício
espiritual, representado pelo desenvolvimento de uma vida. A cada indivíduo está reservado um tipo
particular de experiência, cuja explicação e justificação se contém toda nas supras citadas premissas à sua
vida. São suas as premissas, suas são as atuais conseqüências. Cada vida é um elo de uma longa cadeia de
vidas. Estas vidas, reciprocamente, se completam, se explicam e só se justificam, se vistas todas reunidas
em conjunto. Isto porque a obra de construção do edifício espiritual, representado pelo desenvolvimento de
uma vida, é só um momento da obra de construção de um mais vasto edifício espiritual, representado pelo
regresso da alma a Deus. É assim que só em sentido evolucionista e reencarnacionista se pode compreender o
significado da vida, de uma de nossas vidas, enquadrada assim no plano do “tornar-se” universal. Solto da
cadeia, cada um dos elos muito pouco nos diz, permanece um caminho fracionado e manco, de que não podemos
ver o desenvolvimento, a proveniência e a meta na eternidade. Mas fundido na cadeia, nossa breve vida assume
insuspeitados significados profundos, expande-se até os mais longínquos horizontes, potencializa-se e se
acresce de novos valores, porque essa vida é levada a contacto com suas mais longínquas origens e com suas
maravilhosas conclusões, origens e conclusões até ao plano altíssimo do Absoluto e da Divindade.
Compreende-se, então, a íntima força espiritual que anima o
fenômeno da evolução; compreende-se o progressivo revelar-se da divindade sepultada, pela queda, no profundo
do ser, e lentamente acordada pelo choque das provas e da dor. Vemos então a substância do fenômeno
evolutivo, dentro da forma que ele anima; vemos o princípio espiritual reger essa forma em cada plano do
ser, desde a pedra até o super-homem; e compreendemos que nada pode existir, senão enquanto for animado por
uma centelha proveniente de Deus. Mas se desça, porém, na escala da evolução, mais este princípio é
aprisionado, encapsulado, escondido na materialidade. E quando mais se sobe nessa escala, mais se liberta
esse princípio e se revela na espiritualidade. Nossas crianças têm o sentido do bem e do mal, compreendem no
plano ético conceitos incompreensíveis aos selvagens que, amorais, vão direto à satisfação de suas
necessidades e desejos, ignaros desse mundo mais alto. Vemos como, com o progresso da civilização, a alma
humana vai sempre se enriquecendo de qualidades. De que nasce, pois, o progresso, e como pode explicar-se
sua contínua ascensão com o tempo, se não como efeito das experiências da vida e do acumular-se de seus
resultados úteis? Temos sob os olhos muitos fatos concomitantes: o desenvolver-se de muitas vidas no tempo,
o progresso das civilizações, o desenvolvimento da consciência, o enriquecimento do espírito com tantas
novas qualidades. Sem a reencarnação, permanecem desconexos esses fatos, sem significado e sem explicação.
Com essa teoria ficam explicados, integram-se e convergem harmonicamente para a própria solução.
Só com essa concepção é possível admitir-se a salvação de
todos, porque há, com abundância, tempo para realizar experiências de todo o gênero. Ao invés, agora com a
teoria do inferno, parte dos seres já teria ido formar definitivamente o núcleo da revolta eterna, isto é, o
tumor canceroso que para sempre manchará a obra da criação, tornando assim definitivamente vã e imperfeita a
obra de Deus. Não podemos absolutamente admitir o absurdo representado por uma tal falência. Não. Só com a
teoria da reencarnação poderemos explicar-nos tudo e tudo aceitar, porque corresponde à justiça, ou seja: as
particulares condições de ambiente, de qualidades físicas e espirituais como que vimos no mundo, o modo
particular com que para cada um de nós, a seguir se desenvolve a vida. É inútil negá-lo. Dissemos acima que
há acontecimentos , em nossa existência, que querem acontecer, sejam alegres ou dolorosos, e acontecimentos
que não querem verificar-se e, se acontecem, é só a seu modo, contra nossa vontade. Há um destino mais forte
que nós. Quem o fez, quem o guia? Colocarmos Deus, caso por caso, ilogicamente, sem finalidade a nós
conhecida, amarrando nosso livre arbítrio e assim tornando-nos irresponsáveis? Que nem sempre somos livres,
é um fato. E como poderemos ser responsáveis e portanto dever pagar as conseqüências, se não somos livres?
Não podemos admitir que seja Deus que nos amarre, mas somente que fomos nós, com o nosso passado; de forma
que, se agora não somos livres, somos igualmente responsáveis, porque somos nós mesmos que quisemos reduzir-
nos à escravidão, amarrando-nos às conseqüências de nossas ações. Nossas obras nos acompanham. Só assim, quando o destino nos golpeia, não poderemos culpar
senão a nós mesmos; ao invés de amaldiçoar, só poderemos agradecer a Deus que nos corrige, pedindo-lhe que
nos ajude a corrigir-nos. Só assim não pode a mente lançar a culpa em Deus, pois assim excluímos que Ele
opere por arbitrariedade, mas ao contrário, como exige Sua perfeição, mediante apenas a lógica, a justiça e
a bondade. As conseqüências morais da reencarnação nos falam de Sua verdade e bondade.
Um caso clássico, em que se aplicam os supracitados conceitos,
é o de Judas. Como complemento necessário da descida, vida e missão de Cristo, era indispensável a Sua
paixão, de que dependia a redenção da humanidade. Sua morte na Cruz fazia parte da lógica do seu sistema,
baseado no Amor e no Sacrifício. Todos os acontecimentos que condicionaram essa paixão, inclusive a traição
de Judas, deviam pois ter um caráter de fatalidade. É bem verdade que a traição podia ter sido cometida por outro, e podiam os sacerdotes achar outro meio para apoderar-
se de Cristo. Mas isto não impedia que alguém tivesse que prender, condenar,
matar Cristo sem o que não podia verificar-se a paixão. Em todo o caso, não se pode excluir, pois que
houvesse um predestinado, incumbido de cumprir essa parte, necessária no drama sem a qual a missão não se
teria podido realizar. Ora, se ele era predestinado e sua ação era fatal, ele não era livre; e se não era
livre, como poderia ser responsável, e portanto considerado culpado?
Mas ainda há mais. As profecias já tudo haviam predito como
deveria isto ocorrer, mesmo em suas modalidades. O Evangelho de São Mateus, explica. “Como pois se cumpririam as Escrituras, que dizem assim deve suceder? . . .”
“Mas tudo isso aconteceu, a fim de que as Escrituras dos profetas se cumprissem”. E isto tudo a propósito do
beijo de Judas e da prisão de Cristo. Pouco depois acrescenta: “Assim se cumpre o que foi anunciado pelo
profeta, que disse “e apanharam trinta moedas de prata preço daquele que foi vendido. . .”. Por sua vez
confirma-o São Marcos em seu Evangelho: “Certamente vai embora o Filho do Homem, como dele foi escrito mas
ai do homem, pela qual é traído o Filho do Homem! Melhor lhe fora jamais ter nascido”, em primeiro lugar,
não podemos deixar de observar aquele “jamais ter nascido”, que dá impressão de um ato escolhido e querido
pelo próprio sujeito, que o teria podido evitar. Sem a reencarnação, Cristo com essas palavras só poderia
ter expresso: seria melhor que Deus não tivesse criado este. Ora, é
inconcebível que Deus tenha errado, pensar que teria podido fazer melhor agindo de outra forma, e que Cristo
tenha salientado esse erro.
As profecias, pois, dizem tudo com precisão. Fica claro, dos
textos citados, que qualquer que fosse o homem chamado para entregar o Cristo, já devia existir um predestinado para isso e já sobre a sua cabeça pesava “a priori” essa
condenação. Ora, como pode ser considerado responsável, culpável e
punível um ser que, sendo criado por Deus, não podia deixar de nascer, um ser cuja ação, de uma ou de outra
forma, era indispensável à realização da paixão de Cristo, e cuja
traição, já tendo sido profetizada, era um ato inevitável? O verdadeiro culpado, então, teria sido Deus que,
mesmo sabendo tudo, e sem deixar-lhe a liberdade alguma, havia criado e feito nascer um predestinado a esse
ato.
Sem a teoria da reencarnação o emaranhado das contradições
permanece inexplicável. Limitamo-nos a explicar este caso, sem citar – o que já foi por outros feito
cabalmente – muitos outros pontos em que só se pode compreender o Evangelho no sentido da reencarnação, à
qual aí se alude claramente. O problema é este: como conciliar a atual falta de liberdade, fato evidente ao
menos naquela vida de Judas, com sua culpabilidade? Como pode julgar-se passível de condenação e portanto de
castigo, um ser que não pode escolher? E se a primeira qualidade do espírito é a liberdade, como esta terá
sido tirada a Judas? E isto só para que desse fato surgisse sua perdição? Temos aqui um fato indiscutível,
ou seja, um traidor inelutavelmente condenado antecipadamente, para ser amaldiçoado pelo mundo e condenado
pelo céu. Se esse conceito de culpável por predestinação repugna a todo senso de justiça, é absurdo de outro
lado o livre arbítrio num ser como Judas, ou de qualquer outro no mesmo caso, a quem fosse entregue em mãos
o poder de, com sua escolha, desmentir as profecias e paralisar o desenvolvimento da paixão de Cristo.
Havia, pois, um homem irremediavelmente lançado para a traição e depois para seu desesperado suicídio, sem
escapatória para ele. Neste caso então, teria sido ele vítima maior porque inocente, sacrificada até seu
último opróbrio, e perdição eterna, para triunfo final de Cristo.
Só com a teoria da reencarnação se resolve tudo. Sem dúvida, o
ato de traição de Judas foi fatal, e Cristo sabia que podia com certeza com ele contar. Mas a liberdade se
coagulou e fixou, ligando-se em forma de fatalidade, só no último momento, isto é, quando essa foi
necessária. Derivava ela de todo o seu passado, fora longa e livremente preparada nas vidas precedentes.
Nestas, Judas quis espontaneamente constituir-se traidor, isto é, quis escolher, entre as qualidades boas ou
más, estas últimas; com repetidos pensamentos e ações, ele as absorvera e fixara em seu biótipo, de modo que
não podia mais mudar-se, ao menos no momento. Quando viveu ao lado de Cristo, já se havia ele de tal forma
irremediavelmente enredado nesse modo de pensar e viver, que lhe não restava mais possibilidade de escolha.
Tudo era fatal, pois, mas só naquele momento. Fora livre,
precedentemente, portanto permanecia intacta a responsabilidade e portanto a culpabilidade. Foi assim que
Judas pôde tornar-se condenável. Cristo nada mais fez que escolher um homem já pronto para a sua função e
admití-lo entre os apóstolos, para que, no momento propício, ele a realizasse. Mas, apesar de que no fim,
lançado no caminho do mal, este não pudesse mais retirar-se, sua responsabilidade, que agora parecia
desaparecer no determinismo, permanecia intacta, porquanto remontava a vida anteriores, em que ele mesmo
criara em si essa personalidade e livremente se quisera amarrar a este destino. A culpa de Judas não foi
tanto o beijo traidor, última conseqüência de um hábito de traições, quanto o ter querido adquirir esse
hábito, que agora tinha no sangue e não se adquire num dia. Uma responsabilidade de tamanha gravidade,
exigia uma culpabilidade proporcionada, profunda verdadeiramente merecida em plena consciência e liberdade.
Por fim, ao lado de Cristo, já a obra de Judas foi automática. Quem sabe quantas traições já fizera e, com a
última, pagou-as todas, como merecia.
É assim que a reencarnação
nos explica como seja possível permanecer responsáveis e constrangidos a pagar. Isto porque, esta
inexorabilidade é uma conseqüência inelutável do que nos mesmos preparamos no passado. As conseqüências, não
mais podemos então fugir de modo permanecemos responsáveis, sem ser mais livres. O caso de Judas não é o
único. O bem e o mal, no passado, amarra-nos a todos no presente. O destino de todos, na fase de efeito, é
em certo pontos determinístico. Está assim resolvido o inexplicável o emaranhado das precedentes
contradições. Eis como, só com a teoria da reencarnação, podem conciliar-se os dois extremos opostos:
liberdade e responsabilidade de uma parte e fatalidade de outra. Assim tudo é simples e claro. Em cada caso,
a evidência das soluções só pode confirmar-nos na verdade a teoria da reencarnação.
Continua na PARTE 2