Após afirmar que o arbí
trio humano significa uma incerteza, Ubaldi sinaliza que a evolução nos levará —
após a reconquista da perfeição original, — a uma situação
determinística. Mas estranhamente fala também em liberdade originária. Como conciliar,
então, determinismo com liberdade no seio de um Sistema perfeito? Como é exercida a liberdade
dentro de um sistema em que o melhor absoluto já está fixado na natureza própria do
Sistema?
Como vivemos no Anti-Sistema, isto é, num universo
imperfeito, somos incapazes de formular uma resposta direta para estas questões já que
ignoramos o que seja perfeição. Nossa mente só raciocina em função do
contrastes entre dois termos de uma proposição. (Dialética Hegeliana). Como não
conhecemos o segundo termo, isto é, o perfeito sistema absoluto, fica impossível
respondê-las usando o instrumento da razão.
Existe, no
entanto, um método, que embora não alcance total compreensão do problema, nos fornece
uma aproximação, ainda que infinitamente distante da perfeição absoluta.
Poderemos chegar a um entendimento relativo e progressivo se considerarmos que vivemos em um mundo onde tudo
está em transformação, num eterno vir-a-ser. Nada permanece estático, o
transformismo alcança todos os fenômenos, sejam eles materiais ou espirituais. Ontologicamente
podemos dizer que o ser não é uma entidade completa e acabada, e sim que é um processo
em evolução.
Evolução! Eis a palavra
chave que sinalizará nosso caminho. Como tudo está evoluindo é possível
encontrar no fio condutor do fenômeno evolutivo, as leis e princípios que regulam este
transformismo e, a partir daí, descobrir a tendência do fenômeno e consequentemente seu
telefinalismo.
Entretanto, precisamos compreender, antes de tudo,
como se situa o fenômeno da liberdade dentro do processo evolutivo. Sabemos através de Ubaldi
que a meta principal da evolução é a unificação em todos os campos. Essa
unificação é regulada pela Lei das Unidades Coletivas:"Cada
individualidade é composta de individualidades menores, que são agregados de individualidades
ainda menores." O termo individualidade aqui deve ser entendido num sentido mais amplo,
abarcando tudo o que existe, seja material ou espiritual. A liberdade do indivíduo, porém
está limitada pela unidade maior: A liberdade está sempre enquadrada no determinismo da
unidade superior, e que é livre somente enquanto é elemento inferior componente de uma outra
unidade superior que, relativamente ao inferior é sempre determinista. Assim em toda
UNIFICAÇÃO se verifica uma reordenação determinista.(P. Ubaldi - Problemas do
Futuro).
Como existem infinitos planos evolutivos, podemos
assim compreender que a liberdade relativa que o ser goza em cada nível evolutivo, progressivamente
se transformará em um determinismo absoluto. Mas, perguntamos, não seria admissível que
a liberdade que se perde a cada unificação não seja compensada, pela Lei do
Equilíbrio, por outro tipo de liberdade? É conceito amplamente aceito que toda
unificação traz consigo uma multiplicação de potencialidades, isto é, uma
ampliação de poderes e do raio de ação da unidade maior: em um organismo o
todo é maior que a soma de seus componentes elementares. O indivíduo, embora
indiretamente, se vê de posse de uma liberdade maior do que a que possui isoladamente.
Como exemplo podemos comparar o grau de liberdade de que dispõe um
selvagem com o de um cidadão de uma sociedade tecnológica e culturalmente avançada. O
primeiro desfruta de sua liberdade conforme arbitra sua vontade individual, mas esta liberdade está
sujeita a limitações impostas pelo ambiente e pela sua força individual. Já o
segundo embora limitado pelas leis sociais vigentes no seu meio, possui através da união com
outros indivíduos de uma liberdade e uma potencialidade muito maiores que as que dispõe o
primeiro. Como são infinitos os planos evolutivos, esta liberdade progressivamente se dilatará
de forma absoluta.
Fica claro, desta forma, que o enquadramento em
uma unidade maior leva a uma transformação qualitativa da liberdade. Assim nada se perde. O
determinismo, imposto pela unidade maior aos seus componentes elementares não traz um cerceamento a
liberdade individual, o que ocorre é um reordenamento na interação entre os
indivíduos. O livre enquadramento dos elementos singulares numa unidade orgânica maior - embora
esta seja uma estrutura hierarquizada - amplia para cada indivíduo o espectro de suas escolhas. Isto
se dá em virtude da retribuição gerada pelo caráter colaboracionista de cada
ação interativa. Se multiplicarmos este ato, no seio de uma população de
milhões de pessoas, será gerada uma imensa rede de ações e reações
colaboracionistas. As potencialidades diretas e indiretas que advirão para cada indivíduo
compensarão ao infinito o enquadramento na disciplina que rege o todo.
Assim a troca de uma liberdade-capricho por uma livre adesão a disciplina do
todo produz, paradoxalmente, uma ampliação da liberdade individual. A expressão "
livre adesão" é a chave para a criação de uma sociedade verdadeiramente
orgânica e colaboracionista. A História nos mostra de sobejo o fracasso dos impérios
criados pela imposição da força.
Desta forma
se levarmos ao limite este progressivo enquadramento das unidades menores nas maiores, a tendência
será, no final do ciclo evolutivo, o surgimento de um organismo absolutamente perfeito, em que a
caótica liberdade separatista do Anti-Sistema se evoluirá para o determinismo do Sistema. Mas,
em compensação, surgirá paulatinamente uma "liberdade-obediência" cada
vez mais ampla, fruto da ampliação das potencialidades de cada individualidade ao se
enquadrarem numa unidade superior.
No fundo, o fato pode ser
explicado se consideremos os atributos que definem a individualidade no Sistema original: o egocentrismo
e o amor. O egocentrismo subtende os conceitos de liberdade e de separação.
Já o amor representa a união, é a força reequilibradora da unilateralidade do
egocentrismo. A perfeição está, portanto, no equilíbrio entre estas duas
forças opostas e complementares. No Anti-Sistema surgido após a queda houve a
exacerbação de um dos atributos em prejuízo do outro, isto é, a preponderâ
ncia do fator liberdade sobre o amor, advindo daí a fragmentação da Unidade maior em
suas unidades componentes menores.
Vemos, assim, que a
perfeição é o equilíbrio entre aspectos aparentemente contraditórios.
Este equilíbrio foi rompido pela criatura usando a prerrogativa da sua liberdade em prejuízo
do amor que cimentava o Sistema. Mas como a criação original era equilibrada por duas
forças complementares o reequilíbrio tende a se restabelecer automaticamente (o que vem
acontecendo por ação da evolução). É fácil agora entender a
diferença entre "liberdade-capricho" própria do ser decaído e "
liberdade-obediência" própria do Sistema perfeito. Em outras palavras: A "liberdade-
incerteza", efeito da ignorância da criatura decaída se transformará na "
liberdade-certeza" atributo da criatura perfeita. Desta forma podemos compreender o determinismo
absoluto do Sistema como o exercício pela criatura de uma liberdade sem margens de
erros.