ob minha direção,
recomeçai comigo vossa viagem, mais que dantesca, através do universo. A estrada
é longa, o panorama é amplo
e vosso pensamento corre o risco de perder-se. Desejáveis provas e
demonstrações; aqui as tendes em
profusão. Segui-me e minha argumentação cerrada, maravilhosa correspondência de
toda a fenomenologia
existente com o Princípio Único que vos expus, levar-vos-ão até o fim - logo que
tivermos atingido as
conclusões de ordem moral e social - a enfrentar este dilema: ou admitir todo o
sistema, ou nada. Se o
sistema corresponde à verdade em tantos fenômenos conhecidos, deve também
corresponder aos fenômenos que não
conheceis nem podeis controlar; admitir e seguir os princípios de u'a moral
superior - parte integrante do
sistema - não será mais questão de fé, mas de inteligência.
Depois disto, todo homem dotado de
inteligência terá o dever de
honestidade e justiça. Diante da demonstração evidente que coloca a questão
moral na base do dilema:
compreender ou não compreender, não é mais lícito duvidar e fugir. O malvado só
poderá ser inconsciente ou
de má-fé. Não se poderá mais discutir uma ciência da vida, que está baseada
numa concepção teleológica que
corresponde aos fatos e que está em relação harmônica com o desenvolvimento de
todos os fenômenos; não mais
construções do todo, isolado do resto do mundo fenomênico, indemonstráveis,
freqüentemente uma nota
dissonante no grande concerto do universo; não mais - como em tantas filosofias
- uma idéia particular,
elevada a sistema. Como um verdadeiro edifício erguido sobre fundamentos vastos
como o infinito, o homem é
considerado em relação às leis da vida, estas em relação à lei do todo. Uma vez
completado o tratado, não
será mais lícito, racionalmente, ao homem, isolar-se em seu egoísmo, indiferente
ou agressivo, pois tudo é
organismo, também a coletividade, esta não pode ser senão um organismo. Até
mesmo em sua forma, esta
teleologia que estou desenvolvendo corresponde ao princípio orgânico e
monístico do universo. Observai como
é pouco o que estou demolindo e como, ao invés, cada palavra tem sua função
construtiva; observai como é
pouco o que nego, diante de tudo o que afirmo. Evito agressões e destruições;
fujo de vossas inúteis
divisões, como materialismo e espiritualismo, positivismo e idealismo, ciência e
fé. Divergências
transitórias vos atormentaram nos últimos decênios, mas eram necessárias para
preparar-vos a maturação de
hoje, que é o momento da fusão e da compreensão, entre uma ciência que se tornou
menos dogmática e soberba,
mais sábia em sua atenuada pressa de conclusões e deduções, e uma fé mais
iluminada e consciente. Eu sou
tanto uma quanto a outra. Meu olhar é bastante amplo para compreender, ao mesmo
tempo, os dois extremos: o
princípio da matéria e o princípio do espírito. Esta minha apologética da obra
divina é novo benefício que
vos chega do Alto. É uma demonstração que presume que sois conscientes, adultos
e maduros. Vossa
responsabilidade moral crescerá como nunca, se ainda quiserdes insistir nas
velhas sendas da ignorância ou
da ferocidade. Eu sei! O misoneísmo atávico de vossa orientação psicológica é
imensa barreira, massa
negativa e passiva, que me resiste com sua inércia. Qualquer mente humana se
despedaçaria, sem movê-la,
contra essa muralha gigantesca. Mas meu pensamento é um fulgor que abalará as
mentes. Se possuís toda a
resistência da matéria inerte, eu possuo todo o poder do pensamento dinâmico que
desce relampejando do Alto.
Vossa psicologia é um fenômeno com sua própria velocidade e massa, lançado ao
longo de uma trajetória que
resiste a todo desvio. Mas eu represento um princípio superior a esse fenômeno e
intervenho no momento em
que, por sua maturação, a lei impõe uma mudança de rota. Chegou o momento, e vós
subireis.
Cada vez percebeis melhor o centro
deste pensamento que se vai
desenvolvendo, não é, nem pode ser, de
vosso mundo; é uma síntese tão ampla, poderosa e exaustiva, que jamais foi
proferida na Terra. Toda essa
massa conceptual, que tendes sob os olhos, move-se do infinito - seu ponto
de partida - e daí desce até
o vosso concebível. Para quem a procura, esta é a prova íntima, presente em
cada página, da origem
transcendente da obra, prova real, inerente ao Tratado que o acompanha;
prova mais sólida que todas as
exteriores que procurais nas qualidades do instrumento e nas modalidades de
transmissão e recepção. O
ângulo visual e a amplidão de perspectiva desta síntese estão,
absolutamente, acima de todas as sínteses
humanas ao vosso alcance. No entanto, esforço-me num contínuo trabalho de
adaptação, a fim de reduzir à
vossa capacidade estes conceitos, próprios de planos mais altos. Sem este
trabalho, o Tratado teria de
desenvolver-se, em grande parte, fora de vosso concebível, por considerar
realidades superiores,
inimagináveis para vós.
Este Tratado satisfaz plenamente à
necessidade de vossa ciência
atual: reduzir a imensa variedade de fenômenos a um princípio único. Vedes todas
as minhas argumentações
convergirem para esse monismo sintético: a busca e a necessidade de vosso
intelecto. Minha afirmação diz:
unidade de princípio em todo o universo; unidade na complexidade orgânica,
unidade no transformismo
evolutivo. Em sua grandiosa simplicidade, esta idéia é a mais poderosa afirmação
de vosso século. Esta
idéia, tremendamente dinâmica e fecunda, é suficiente para criar uma nova
civilização. O conceito de lei,
que cada palavra minha reafirma, é ordem, equilíbrio, afirmação; põe em fuga
todos os niilismos, pessimismos
e ateísmos, a idéia da cegueira do acaso, da atrocidade do sofrimento, da
desordem e da injustiça na
criação; ela vos torna melhores e vos eleva a cidadãos de um mundo maior,
conscientes das leis que o
dirigem. Mas, uma tal síntese não podia ser alcançada por mentes imersas, no
relativo, mas apenas de um
ponto de vista que, estando fora da humanidade, pudesse, numa visão de conjunto,
contemplá-la toda; ou seja,
não podia chegar a vós, senão provindo de um plano mental superior. As páginas
que se seguem justificarão
estas afirmações, dando-vos novas aproximações do superconcebível que vos
ultrapassa.
Colocasteis vossos pontos fixos na
Terra, quando, ao invés, eles
estão no céu. Os fatos donde moveis, o método da observação e o
instrumento da razão, fecham-vos num
círculo, sem possibilidade de saída. Jamais discutisteis vós mesmos e nem
pensasteis que se devesse superar
vosso instrumento - esta é a primeira coisa a fazer. Eu quebro os grilhões e
escapo do círculo em que vos
haviam trancado vossa ciência e vossa filosofia. Era preciso quebrar de uma vez
por todas esse anel: análise
e síntese, síntese e análise, e encontrar um ponto de partida fora de vosso
relativo. Um sistema filosófico
ou científico pode ser uma concatenação e uma construção perfeitas, do ponto de
vista lógico e matemático.
Mas o ponto fixo, a base de onde partis, está sempre lá, no relativo; por isso,
vossas construções são em
tão grande número e tão diferentes, todas prontas a ruir, logo que sejam
deslocadas desse ponto. Muitas
vezes vos isolais numa unilateralidade de concepção, elevando-vos, vós mesmos, a
sistema.
Muitas vezes sabeis, pelo poder da
mente, mas depois vosso coração
não segue junto. De que serve saber, se não sabeis amar? Separais pesquisa e
paixão, mas o homem é síntese
feita de luz e calor. Além disso, como pudesteis crer possível chegar sozinhos -
por força de análises e
hipóteses, esflorando os fenômenos com vossos sentidos limitados - a alguma
coisa que ultrapassasse uma
síntese parcial, isto é, a síntese máxima? O que tendes sob os olhos? Como pode
caber em vosso pequeno mundo
terreno, todo o mundo fenomênico? Entretanto, eu resolvo, mas mudando de
sistema; arraso o método
indutivo, para substituí-lo pelo método intuitivo(8),
. Mas nem por isso deixo
de dirigir-me e de
ficar aderente à realidade, verdadeira base de qualquer filosofia. Eu vos digo:
as realidades mais poderosas
estão dentro de vós. Olhai o mundo, não com os olhos do corpo, mas com os olhos
da alma. Os métodos dos
quais tanto se ocupam certas filosofias, os métodos clássicos de pesquisa que
vos parecem inabaláveis, já
deram até agora todo o seu rendimento; são meios superados, que não vos farão
mais progredir um passo
sequer.
8 - Esse problema do método
é aprofundado no volume
Ascese Mística - parte I: "O Fenômeno".