o capitulo anterior resolvemos o debatidíssimo e controvertido conflito entre determinismo e livre-arbítrio, descendo às raízes de problema filosófico e prático de que em A Grande Síntese apenas pudemos tratar por alto. Agora descemos às particularidades, cuidamos dos pormenores, entregamo-nos a exposição completa desse problema, impossível de fazer naquele livro, destinado principalmente, como dissemos, a dar o rumo geral e o quadro orgânico de nossa problemática. O leitor ali poderá encontrar-lhe apenas a exposição sistemática. Vamos, mas sempre de acordo com o esquema de A Grande Síntese, deter-nos no exame de alguns pontos mais controvertidos, enriquecendo-os cada vez mais e aproximando-os da realidade da nossa vida. Desenvolvemo-los e aprofundamo-los, mas também lhes damos aplicação prática, pois não objetivamos perder-nos em abstrações filosóficas, e sim tornar a vida mais clara. For essa razão, aos raciocínios complicados preferimos simplesmente a linguagem do bom senso e dos fatos; aliás Newman convenceu-nos de, que "a conclusão de um silogismo, sozinha, jamais convenceu alguém; jamais"
Até agora estivemos desenvolvendo argumentos que de preferência se relacionam com a Terra e a vida coletiva (ou de relação) no plano biológico dominante ou, seja, no do involuído. São, portanto, argumentos referentes a tentativas, a lutas, a incertezas; entremeiam-nos o incessante e penoso trabalho de construir e de promover a demolição que possibilite reconstruir e a cansativa tarefa de plasmar mil e uma vezes a matéria a fim de, através de experimentos sucessivos, chegar à compreensão. Estamos em pleno reino da força e da ignorância humana, dos violentos desequilíbrios da injustiça, no reino da traição e da mentira. O evoluído penetrou no espírito da Lei, aderiu a ele, repousa na paz de seus equilíbrios e na suave musicalidade de seu ordenamento; volta-se para trás horrorizado, suporta-o porque a isso é obrigado, mas deseja ardentemente fugir. Procuremos acompanhar-lhe a fuga para outros mundos, para outras realidades superiores que, embora para os deste mundo se afigurem sonhos, tão longe estão de nossa vida, no entanto a iluminam, mostrando-nos a ordem perfeita reinante aqui embaixo também, não porém na superfície, onde, em caótica desordem, tudo nos parece fora do lugar exato. Ao lado da vida exterior, que tantos vivem, existe outra, interior, mas igualmente real e poderosa Se a primeira se mostra mesquinha, podemos, ajudados pela segunda, torná-la intimamente grande. Embora não possamos mudar as condições de nossa existência, nossa conduta será capaz de enobrecê-la e, até mesmo, podemos com nossa flama interior tornar luminoso o ato mais simples e comum. O maravilhoso e o sublime podem a cada passo nascer dentro de nós, nas circunstâncias mais humildes. A própria vida de Cristo entreteceu-se exteriormente de pequenos episódios, comuns e vazios de sentido, se considerados em si mesmos, e determinados pela miséria espiritual de todos quantos o circundavam. E, todavia, sua vida continuou sendo sublime. Nossa vida é exatamente igual ao que somos. O ambiente e as circunstâncias influem apenas na vida dos débeis, que não as dominam e, além disso, se deixam dominar por elas. Em face da miséria espiritual de tantas coisas mais importantes da vida passam despercebidas. Aí onde os indivíduos maduros vêem e fremem de entusiasmo, os outros passam despercebidos de tudo, correndo no encalço de futilidades. Apenas quando possuímos grande alma e nos anima grande paixão nos pomos no mesmo nível dos grandes acontecimentos da vida; aí, compreendemo-lhe o valor, respondemos às vozes sublimes que vêm das profundezas do universo ilimitado, onde cada qual vê e aprende conforme a própria acuidade visual. Assim, as verdades correspondem às vistas, às capacidades, à evolução, variam desde as mais grosseiras e materiais até às mais refinadas e espirituais. Onde um sussurra e chora porque percebe a mão de Deus, aí mesmo outro sorri e despreza porque não percebe, não compreende coisa alguma. Todos se abalançam a julgar; quem, no entanto, acredita estar julgando as coisas, acusa e julga a si mesmo. O caos de opiniões é ordenamento, equilíbrio, desordem que se harmoniza de novo num plano mais elevado onde encontra possibilidade de acordo. Há quem ouça e há os surdos também. Todos nós apenas podemos viver em nosso nível, de acordo com o que somos. A alma, a vida interior é que dá ao homem a medida das coisas. O eu assemelha-se a um vaso que não pode conter nada além de sua capacidade. Fiquemos tranqüilos. O sublime não contagia. Os grandes pensamentos, as grandes paixões, as grandes ações permanecem solitários. O mundo está sempre pronto a compreender e aplaudir o que se encontra no seu nível. O melhor não pode afirmar-se senão lentamente e à custa de martírio que não chega a interessar o mundo. Diz Schuré no Sonho de Minha Vida: "É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que uma idéia nova penetrar no cérebro dos homens". E Máximo Gorki acrescenta: "Quem nasceu para andar de rastros não pode conhecer a alegria do vôo". Pior ainda nos faria pensar em face dos heróicos pregoeiros da verdade, o rifão popular: "Vulgus vult decipi, ergo decipiatur" 14b
Em geral, o mundo interior fica entregue aos poetas, artistas, místicos, isto e, à classe considerada mais ou menos inútil pelos homens práticos. Desse mundo, no entanto, emanam a força propulsora do progresso e a única luz que nos ilumina e atenua a miséria da vida quotidiana, embora materialmente muito rica. O evoluído foge para esse mundo mais adiantado e aí se reencontra. Mundo espiritual, aí existe a única liberdade que não se chama abuso e torna possível distender-se a tensão das férreas necessidades da vida material. Nesta o elemento moral é menosprezado e apenas palidamente aparece nos últimos planos; nesse novo mundo, ao contrário, guinda-se aos primeiros planos, como fator fundamental. Trata-se de dois mundos inversos e complementares em que nossa existência se divide e se completa, de acordo com a grande lei de dualidade. Até agora os contrapusemos como duas posições antagônicas, que mutuamente se excluem na conquista do campo da vida. Mais atento exame desses mundos em relação a essa lei nos permitirá até mesmo nesse dualismo reencontrar a unidade, considerar os dois termos opostos como se fossem os dois aspectos do mesmo princípio. Veremos tratar-se de existência dúplice, de duas formas de vida, entre as quais o ser oscila em seu caminho evolutivo, de acordo com as possibilidades da fase alcançada. O exame confirmará a lei, revelando-nos dela aspectos novos.
Devemos reportar-nos ao cap. XXXIX de A Grande Síntese, "Principio de trindade e de dualidade", cujo conhecimento presumimos. Ai o leitor encontrará o mesmo problema agora exposto, mas intimamente relacionado com a cosmogonia universal. Ao invés, destas páginas poderão derivar algumas aplicações e desenvolvimentos particulares, como, por exemplo, essas duas vidas, exterior e interior, de que estamos falando agora. Na ordem universal todo fenômeno se apresenta como campo de forças fechado, fato que lhe caracteriza a individualidade e lhe limita a ação. O eu fenômenico está encerrado em seu ritmo interior, equilibrado em duplo e inverso movimento respiratório, em oscilação que constitui a base da íntima elaboração chamada evolução. Essa bipolaridade é universal. Toda unidade se nos apresenta como formada de duas partes iguais em que, contradizendo-se, ela se inverte e se compensa, mas também encontra sua estrutura simétrica e equilibrada. Esse vaivém de forças antitéticas em campo fechado, essa correspondência de antíteses e simetria, de inversão e complementariedade, esse íntimo ritmo dualístico compõem a fisionomia que o pensamento e a vontade da Lei imprimiram às individuações fenomênicas, quer dizer, significam estrutura orgânica e funcional. É o de que vamos tratar profundamente agora. O princípio de ordem, fundamental na Lei, transforma o universo, desde o fenômeno máximo ao fenômeno mínimo, em sistema equilibrado, orientado, ritmado e periódico. Faz-nos, por isso, compreender e sentir a Criação como fato fundamentalmente harmônico, rítmico, musical.
Embora tenhamos posto frente a frente as duas vidas, a exterior e a interior, a da matéria e a do espírito, a vida é una e oscila entre estes seus dois extremos inversos e complementares. Trata-se de duas formas comunicantes, de bipolaridade da vida. É perfeitamente possível e verifica-se continuamente a passagem do mundo da matéria ao do espírito e ao contrário, que se completam através de funções compensadoras, atraindo-se por força da lei de simpatia estabelecida entre os contrários. O conceito da musicalidade existente na ordem universal faz-nos pensar que ritmo caracteriza e distingue as duas formas de vida. O mundo exterior, o da matéria, da vida física e sensória, poderíamos imaginá-lo caracterizado por ondas longas; o mundo interior, o do espirito, da vida psíquica e intuitiva, caracterizado por ondas curtas. Essas duas ondas existem nos fatos, sem dúvida; mas é lógica a existência de onda típica individual, distintiva da personalidade, reveladora das notas fundamentais do caráter. Mais tarde esses ritmos pessoais se entrosam e se fundam em outros ritmos mais amplos: familiares, nacionais, mundiais etc. Neles a observação nos revela correspondências e oposições. Nos países meridionais, por exemplo, ricos de calor e luz solar, as forças vitais preferem revelar-se exteriormente através de manifestações sensórias. Essa espécie de expansão forma tipo humano fisicamente exuberante, expansivo, de inteligência vivaz e realista. Há, sem dúvida, entre raça e ambiente certa relação de ritmo, que neste caso se poderia chamar ritmo de ondas longas. Nos países nórdicos, onde, pelo contrário, domina o frio e a umidade e a luminosidade é menor, as forças vitais se expandem de preferência intimamente, sob formas reflexas. Isso determina a preponderância de tipo humano de inteligência dobrada sobre si mesma, introspectiva, menos viva, profunda, nebulosa. Mesmo o desenvolvimento físico é mais lento. Esse diferente ritmo vital poderíamos chama-lo ritmo de ondas curtas. É claro que com o passar do tempo os ritmos entre ambiente e indivíduos acabam por sintonizar-se, por viver simbioticamente; a coexistência (diríamos, mesmo, a coabitação) entrosa-os e harmoniza-os; a personalidade absorve e incorpora, fazendo-o seu, o tipo de vibração dominante, conserva-o e depois torna a irradiá-lo, como se o tivesse ela mesma produzido. A vida é sensível e tudo registra, assimila, devolve. Assim, as manifestações raciais são típicas e diferentes, de Verdi a Wagner, do catolicismo ao protestantismo, de Dante a Goethe. O ambiente concorre para dar seu tom característico à psique coletiva e aos líderes que a representam, de modo que as próprias atividades e funções se plasmam de maneira diferente. Mas em toda parte, mesmo nos campos mais disparatados, esse dualismo perdura. O pensamento da própria Igreja equilibrou-se entre a tese e a antítese, entre Pedro e Paulo, isto é, entre a corrente judaico-cristã de tipo particularista e a corrente greco-cristã de tipo universalista, como se equilibrou, mais tarde, entre Agostinho e Tomás, quer dizer, entre a corrente platônico-intuitiva e a corrente aristotélico-racional. O próprio mundo está dividido e, no entanto, unido entre os seus dois extremos ou, seja, entre a civilização ocidental, materialista, e a civilização oriental, preponderantemente espiritualista. Toda unidade fática se deve ao equilíbrio de duas metades, opostas e contrastantes. Por isso, não se pode falar que, de dois elementos postos em presença um do outro, este seja superior ou inferior àquele e ao contrário Como já dissemos, relativamente a jovens e a velhos, um tipo vale tanto quanto o outro. O dinamismo, em última análise o mesmo, assume formas diversas, mas substancialmente equivalentes. Enquanto num caso (ondas longas) se desenvolve como quantidade, noutro (ondas curtas) se desenvolve como qualidade, isto é, encontra-se sob a forma de potencial ou pressão. Já nos referimos neste volume (cap. IX - Das Trevas à Luz) à relação, aos efeitos dinâmicos entre amperagem e voltagem no campo da eletricidade, e entre volume e pressão, na mecânica dos líquidos. Reencontramos a inversão dos dois extremos no dualismo entre outras posições, como, por exemplo, luz e sombra, dia e noite, primavera e outono, equador e pólos, verdade e erro etc., pois não existe ser algum que não contenha essa oposição de ritmos contrários.
Continuando a observar, verificamos correspondências ainda mais remotas e relações novas. O tipo espiritual, de expansão interior, aparece-nos também como de sintonização noturna (cf. o volume As Noúres), azul, lunar, hipersensual e supersensória, inimigo da ação, da matéria, da vida física animal. Esse tipo é esquivo, solitário, silencioso, sofredor, sensitivo, pacífico e, em relação ao mundo, negativo. É um "não-ser", relativamente a este último. Ao contrário, é um "ser" em face do imponderável, que é um "não-ser" para os outros. Estes são constituídos pelo tipo material, de expansão exterior, de sintonização diurna, vermelha, solar, sensual e sensória, amiga da ação, da matéria, da vida física animal. Tipo audaz, sociável, bulhento, gozador, voluntarioso e agressivo, mostra-se positivo perante o mundo. Trata-se de atitudes relativas e opostas. Cada uma delas significa ou afirmação ou negação que se invertem relativamente à negação ou à afirmação do outro termo Trata-se de alta ou de baixa freqüência. Em meio dos jejuns, das renúncias e dos sofrimentos, os santos estavam sempre absortos em contemplação, que é apenas visão interior. A espiritualidade, vida sutil de alta freqüência e notas agudas, substitui a animalidade, vida vegetativa de baixa freqüência e notas graves; o baixo potencial transformou-se em alto potencial, amperagem em voltagem, o volume em pressão, a vida grosseira dos sentidos na hipersensibilidade refinada; o mundo físico desmaterializa-se no imponderável. Os dois lados da vida continuam sempre opostos e complementares. Reencontramos aqui a mesma razão inversa observada entre força e sabedoria, entre alegria e dor, entre jovens e velhos. A exuberância vital dos primeiros reside na força e na alegria, na expansão física; a dos outros está na sabedoria, na dor, na expansão espiritual. As lutas, as fadigas, as conquistas, tudo é diferente. Os sentidos das projeções dinâmicas são diametralmente opostos. A vida oferece dois lados, opostos, em cuja complementariedade se completa; desse equilíbrio lhe advém a unidade perfeita.
Todas as manifestações humanas adquirem essa colaboração diferente e passam de um para outro tipo. Uma pessoa gosta do que outra detesta; para uns é vida o que para outros representa morte. O próprio Sermão da Montanha exemplifica a mudança dos valores terrenos, considerados de ponto de vista material, em valores celestes, considerados de ponto de vista espiritual. A própria morte: para o homem material é morte apenas; para o espiritual, vida. É evidente o contraste. A vida oscila do extremo do sadismo (que afirma consistir a vitória na afirmação egoísta, no esmagamento do próximo) ao extremo oposto, o do masoquismo (que diz: a vitória consiste na altruísta negação do eu, no amor ao próximo, na tolerância, no sacrifício, na derrota). A evolução caminha amparada por ambos os impulsos. Perguntamo-nos, então: relativamente a esse dualismo, em que sentido caminha a evolução da vida? Para os indivíduos como para as famílias e os povos e, portanto, para a humanidade também, a vida caminha da juventude até à velhice, com todas as alterações de qualidade decorrentes dessa passagem. Essa passagem, aliás, significa inversão de características, exatamente porque é mudança de posição de um extremo a outro. Por isso, a evolução da vida oscila entre o ritmo de ondas longas e o de ondas curtas, o baixo e o alto potencial, a quantidade e a qualidade, a baixa e a alta freqüência. A evolução, portanto, nada muda à substância, mas somente à forma; e o que a torna possível é um ritmo interior, de freqüência vibratória. A vida dos velhos não significa destruição, mas apenas inversão formal da vida dos jovens. As duas vidas, a espiritual e a material, são inversas e, portanto, antagônicas; o enfraquecimento ou atrofia de uma condiciona o desenvolvimento da outra. No sistema compensado e equilibrado da natureza, não pode haver hipertrofia sem a correspondente atrofia. Assim, verificamos constantemente existir relação inversa entre saúde física e vida espiritual, tanto assim que, quando a vida orgânica tende a enfraquecer-se, também tende a sensibilizar-se e a manifestar-se sob formas mais refinadas, em planos mais elevados; por outro lado, em organismo fisicamente desenvolvido e exuberante, geralmente não cabe vida interior sutil e sublime A trajetória da atividade física, em seu desenvolvimento, maturidade e decadência, não coincide com a trajetória da atividade psíquica que, quando o indivíduo evoluir ao ponto de possuí-la, se atrasa, isto é, floresce e definha muito depois da atividade corporal, como se necessitasse, para melhor desenvolver-se, da atenção dos processos da vida vegetativa. A maioria das obras-primas surgiram quando os autores tinham de quarenta a sessenta anos. A morte seria, então, o caso-limite de máxima decadência física e de afirmação espiritual, a passagem completa de uma forma vital em ondas longas a outra em ondas curtas As duas vidas são inversas e opostas. Durante a permanência na terra verifica-se a oscilação entre uma e outra, conforme o poder adquirido pelo indivíduo em qualquer campo e de acordo, também, com o ritmo e o tipo de onda dominante em sua personalidade. Quanto ao involuído, em que prepondera o desenvolvimento físico, não pode haver, sem dúvida, enfraquecimento orgânico capaz de revelar-nos espiritualidade nele inexistente. Mas, se a evolução a houver suscitado, não podemos pôr em dúvida que o enfraquecimento físico progressivo, o desgaste da vida de ondas longas favoreça a vida de ondas curtas. A vitória de uma só se torna possível com o enfraquecimento correspondente da outra. Noutras palavras: o enfraquecimento orgânico pode funcionar como revelador da personalidade rica e profunda, mas preexistente. Quando, porém, nada existe, como lhe é possível revelá-lo? Quanto à dor, acontece isso mesmo. Se a sua função preponderantemente criadora, na sua forma mais imediata e evidente se nos mostra reveladora, o eu tende à expansão e a dor constitui prisão, asfixia, mutilação. Mas essa opressão que se exerce num plano pode resolver-se em compressão capaz de elevar o potencial, a pressão, de transformar a freqüência da onda; e isso tudo ao ponto de obrigar a personalidade, quando lhe possua os elementos, a expansão diferente, em plano de vida mais elevado, isto é, de fazer a vida do ser, desde que maduro, ascender da forma vegetativa animal à forma espiritual. A dor pode, assim, constituir instrumento de progresso, como quando, barrando a passagem às fáceis ressonâncias inferiores dos jogos materiais, abre as portas às sintonizações superiores dos gozos espirituais. Trabalho mais difícil, esforço para atingir tensões mais altas; elemento de progresso, porém, pois o ritmo vibratório do espírito, em alta freqüência, se reforça, se completa, se estabiliza na personalidade. A personalidade sofre, debate-se, mas acaba sendo controlada e assim, não consegue explodir; é até mesmo constrangida a fazer uma conquista que mais tarde será sua e a levará a bendizer a dor, transformada em instrumento de progresso.
Um esclarecimento se torna necessário agora. No leitor atento, que se lembra do cap. XLVIII (Série evolutiva das espécies dinâmicas) e o cap. LXXXV (Psiquismo e degradação biológica) ambos de A Grande Síntese, pode surgir certa dúvida, se confrontar esses capítulos com frases como estas deste livro: "O mundo da matéria podemos imaginá-lo caracterizado por ondas longas; o do espirito, por ondas curta... Trata-se de alta e baixa freqüência... Animalidade, vida vegetativa, notas graves, baixa freqüência; espiritualidade, vida sutil, notas agudas, alta freqüência. A evolução da vida caminha, portanto, do ritmo em ondas longas ao ritmo em ondas curtas, do baixo ao alto potencial, da baixa à alta freqüência. Na evolução da vida é a onda longa que se funde na curta". Nos referidos capítulos de A Grande Síntese se afirma, ao contrário, que, ao longo da série das espécies dinâmicas, a freqüência vibratória diminui enquanto a amplitude aumenta. Aí parece, portanto, que a evolução caminha para a diminuição de potencial, representada pelo decréscimo da freqüência vibratória e pelo aumento de amplitude de onda. Neste capítulo dizemos, pelo contrário, que a vida caminha das ondas longas para as curtas, da baixa para a alta freqüência, com elevação de potencial. Há contradição nisso? Não. Expliquemo-nos.
Cada uma das três fases evolutivas do nosso universo se resolve, finalmente, em decomposição final que relativamente à matéria se chama desintegração atômica; para a energia toma o nome de degradação dinâmica; e, quando se refere à vida, diz-se degradação biológica. E, de fato, a vida, considerada como dinamismo biológico, caminha para a baixa freqüência e o aumento do comprimento de onda. e isso até ao esgotamento e à morte em seu caráter de vida vegetativa animal. Este é apenas um caso do fenômeno de entropia, isto é, da tendência dos fenômenos ao nivelamento dinâmico e à extinção na quietude. Essa entropia, se existe nos fenômenos, não é constante e perpétua; se fosse, já teria feito sentir sua ação e o universo já estaria morto; no entanto, vemo-lo em contínuo progresso. Deve existir nele, e é lógico que exista em sistema equilibrado como nosso universo, a parte inversa e compensadora do fenômeno da entropia, isto é, tendência paralela e complementar à construção, reconstrução de potencial e de freqüência, que equilibre e anule a tendência à destruição e à degradação de potencial e à diminuição de freqüência representada pela entropia. A forma de toda fase evolutiva também se sujeita, sem dúvida, a desgaste que termina em desagregação. Esta, porém, é apenas aparente e não se verifica, se tomarmos em sentido absoluto o termo. A destruição não incide na substância, mas apenas na forma, e reduz-se a renovamento, condicionador da evolução. Na realidade, se os fenômenos diminuem de intensidade e se esgotam em sua forma atual, se se desgastam, envelhecem e morrem, nem por isso se aniquilam e anulam. A substância de coisa alguma pode ser destruída; ressurge de outra maneira, e isso acontece exatamente como resultado da elaboração da fase precedente, em que a forma se degrada, mas a substância evolui, impregnando essa forma situada em plano mais elevado e igualmente real, embora ela escape aos nossos sentidos. Esta ressurreição, sob forma diversa, da substância imortal é que se encarrega da reconstituição do potencial, da alta freqüência em ondas curtas. Assim, na desintegração atômica a matéria não desaparece senão como matéria, mas renasce na qualidade de energia de alto potencial e freqüência em ondas curtas (gravitação); do mesmo modo, no caso da degradação dinâmica, essa energia vai-se degradando, de gravitação passa a eletricidade. Aniquila-se como potencial, freqüência e comprimento de onda, mas finalmente morre como energia e renasce sob a forma de vida. Se considerarmos a degradação biológica, veremos que por sua vez a vida se desgasta, enfraquecendo-se como potencial, freqüência e comprimento de onda, mas por fim não se extingue senão na qualidade de vida vegetativa animal e renasce, como espírito em fase mais adiantada, em nova e mais evoluída forma de existência, de alto potencial, alta freqüência e ondas curtas. E assim por diante.
O fenômeno da entropia não representa, pois, toda a evolução, mas apenas o período destrutivo da forma de uma fase evolutiva, período que constitui a aparência e o efeito de íntima elaboração a ele correspondente na intimidade do fenômeno, e representa correlato período reconstrutivo, cujo resultado é o nascimento da nova forma, mas em fase mais adiantada. Assim, a evolução recomeça a marcha e, em meio da destruição da forma, a substância progride desse aparentemente misterioso meio de recuperação de energia, que outra coisa não é senão a resultante dos equilíbrios das forças do sistema. A entropia, portanto, é apenas aparente, a aparência assumida pela realidade do transformismo evolutivo. De fato, não se trata de dispersão nem de nivelamento, mas de elaboração. O processo de reconstrução se desenvolve subterraneamente e nada tem de científico, mas o resultado aparece-nos como nova forma que, mais poderosa, renasce em plano mais adiantado. Chamamos entropia a destruição apenas da forma, condição de renovamento evolutivo. A parte inversa e complementar do fenômeno se encarrega de reconstruir, equilibrando-o em seus dois momentos inversos e complementares. Prova-o o fato de que o resultado final de toda degradação não é a morte, mas a ressurreição em plano mais elevado. A entropia constitui apenas a revelação do desgaste resultante do trabalho da elaboração evolutiva, desgaste que desempenha também a necessária função de destruir uma forma, que por força da lei de evolução sempre progride e se aperfeiçoa. Não é verdade que por toda parte, até mesmo em nós, em nossa vida como em cada um de nossos atos, encontramos sempre essa lei de morte e ressurreição? Doutro modo não poderia haver renovamento e evolução. A forma necessita de desfazer-se e refazer-se continuamente para prosseguir no caminho ascensional do ser, que vai assumindo-as sucessivamente, de acordo com suas necessidades. A morte condiciona a vida.
Agora se compreenderá mais facilmente o que neste capítulo estamos dizendo, isto é, como a destruição biológica conduz à construção espiritual. Agora podemos verificar como, apesar de toda forma tender a degradar-se na baixa freqüência e em ondas longas, ela se reconstitui mais tarde em uma forma superior, de alta freqüência e ondas curtas. Eis por que, embora a vida do indivíduo e a da humanidade se desgastem no curso da juventude à velhice, em progressiva diminuição de potencial biológico que caminha para a baixa freqüência e as ondas longas, desse desgaste nascem o espírito, a consciência, a sabedoria, resultado de experiências da vida, cujo fruto é o espírito, em elevado potencial, alta freqüência e ondas curtas. A vida, enquanto vida apenas, caminha para a baixa freqüência e as ondas longas; como espírito, porém, se reconstitui em ondas curtas, rápidas e poderosas. No plano da vida o processo de enfraquecimento de freqüência, alongamento de onda e degradação de potencial continua exatamente como dizem os referidos capítulos de A Grande Síntese e isso até à exaustão e à morte. Desse processo, porém, surge o espírito, como produto sintético dessa elaboração biológica. É o que se afirma neste capítulo. Parece que no fim de cada período evolutivo, do percurso de cada fase, desgastada a forma que lhe é própria, as forças do universo se contraem e concentram em uma forma sintética, de potencial mais elevado e filha da forma precedente, que morre. Assim, apesar de tudo, o ser se fortalece, se aperfeiçoa, cada vez mais se reaproxima de Deus. Isso porque a degradação não passa de processo negativo de anulação da forma, anulação aparente de que nada subsiste senão a forma renovada e outro trecho percorrido no caminho da evolução. A degradação é, na realidade, apenas íntima colaboração construtiva e seu resultado não é a extinção, mas a evolução. O desenvolvimento de determinada fase evolutiva é um percurso expansionista, caminhando do centro para a periferia; mas é também um caminho que, no fim de cada um desses períodos, importa em haver-se percorrido intimamente um caminho inverso, com que o fenômeno evolutivo se compensa, completa e reequilibra porque contemporaneamente percorreu no seu outro pólo um caminho da periferia ao centro. Assim, a manifestação jamais termina em dispersão, por causa de afastar-se de sua fonte; pelo contrário, é novamente atraída pelo poder divino que tudo rege e reconduzida ao contato com as forças diretivas de que o outro lado do processo tendia a afastá-la. Sem esses equilíbrios compensatórios, o universo se esgotaria por degradação. A própria lei de dualidade nos mostra a estrutura desse fenômeno de compensação Se de um lado há degradação, do lado oposto deve necessariamente existir reconstrução. Assim acontece, na verdade, e os resultados, que não significam morte, mas vida, põem-no em evidência. Trata-se apenas de dois momentos de processo evolutivo único. Por necessidade de equilíbrio devem ser inversamente proporcionais. O nascimento implica na morte; a morte, na vida. A degradação biológica constitui condição do processo genético do psiquismo, como a degradação dinâmica se revela condição do processo genético da vida e a desintegração atômica condiciona o processo genético da energia. Os dois momentos são pressupostos um do outro e reciprocamente se impõem. Cada fase acaba degradando-se. Nasce moça, de elevado potencial, ondas curtas e alta freqüência, e morre velha, de potencial baixo, ondas longas e baixa freqüência. E ao morrer gera fase de ascensão mais adiantada e mais próxima de Deus. Essa lei se estende a todas as coisas. Esclarecido esse ponto, continuemos.
Quem a experimentou sabe muito bem que a vida espiritual, em que reside o futuro biológico, se caracteriza pela alta tensão; sabe também que fadiga representa o ser constrangido a elevar o próprio potencial, a habituar-se a vibrar em ondas curtas e em alta freqüência. Exprimindo-se assim, procuramos dar a entender mais facilmente aquilo em que consiste a evolução, traduzindo em termos científicos o fenômeno de espiritualização que em geral não é entendido, lato sensu , como fenômeno biológico, mas apenas no caráter de fenômeno religioso. O ritmo vegetativo da animalidade mostra-se mais lento, menos fatigante, menos potente, é de ondas longas e baixa freqüência. O sofrimento, que matura e desmaterializa, exprime o esforço de habituar-se a viver em ritmo mais rápido e intenso, mais laborioso e fatigante, porém, mais potente. A evolução constitui, em substância, aceleramento de freqüência de vibração; a dor aí funciona como excitante, espécie de transformador de potencial. Através da evolução a substância permanece idêntica; a quantidade transforma-se em qualidade; a força, como vimos, muda-se em sabedoria; a ignorância do involuído passa a ser a sabedoria do evoluído; a violência torna-se justiça; e o caótico desequilíbrio da desordem e do abuso transforma-se nos harmônicos equilíbrios da ordem divina. Por força da evolução, o concreto caminha para o abstrato; a ação, através da experimentação, transforma-se em conceitos e qualidade, a atividade material em atividade espiritual, o trabalho em contemplação. No homem primário o pensamento é concreto, não se concebe a idéia senão revelada por fatos concretos, a palavra mostra-se mais como gesto (isto é, síntese inspirada na ação) do que como conceito; e o pensamento é mais expressão por meio de palavras e gestos do que meditação; toda manifestação espiritual permanece sepultada num invólucro material. Apenas o evoluído atinge a concepção abstrata, imaterial, que se mantém por força própria, sem ligações ou apoios físicos. Nele os membros de simples instrumentos de ação se transformam em antenas transmissoras e receptoras de radiações. O evoluído parece inerte, mas sua ação, que aparenta um "não-fazer", pois foge às formas e percepções comuns, desenvolve-se no imponderável. Ela desmaterializa-se em ritmo mais sutil, poderoso e penetrante. O futuro abrange a passagem da vida animal à espiritual; para que esta se desenvolva aquela tem de morrer, pois se torna impossível a coexistência de dois ritmos diversos. São antagônicos, mas reciprocamente se ligam e continuam. Na evolução da vida a onda longa é que acaba terminando em onda curta. Progredir significa conquistar onda curta. É a forma do futuro. Mas, superada a fadiga do aceleramento e a dor da asfixia em plano inferior, a vida, transformada e não destruída, continua mais intensa e alegre num plano mais elevado. Trata-se de ressurreição. Assim, a morte não é igual para todos. A noite não é trevas para os noctívagos. A morte só é morte para os tipos involuídos, animais e vegetativos, isto é, em ondas longas; para os tipos evoluídos, espirituais ou, seja, em ondas curtas, a morte significa vida. Todos nós somos relativos, limitados e estamos fechados numa das metades da vida. Mas sempre a experiência oposta, a outra metade, está pronta a compensar-nos e completar-nos. Tudo pode transformar-se. A vida em ondas curtas representa a morte da vida em ondas longas, mas constitui a vida dos tipos em ondas curtas. A vida deles não reside na terra, e sim no além, no reino da noite, enquanto que para os tipos em ondas longas ela está no mundo, no reinado do dia. Há, pois, temperamentos adequados a viver na vida e temperamentos adequados a viver na morte. Nossa própria vida cotidiana se divide em dois turnos diferentes: o dia, vida física, prática, concreta, sensória, à luz solar, em ondas longas; e a noite, vida espiritual, de sonho, incorpórea, no imponderável, à luz azul, lunar, em ondas curtas. A vida é contínua; de dia vivemos a vida dos vivos, de noite a vida dos mortos. As duas faces inversas do mesmo fenômeno se alternam. E enquanto uma forma prepondera, a outra se atenua e espera o seu despertar. De noite a vida física adormece e se afirma a vida interior, intuitiva, vidente. De dia, a vida interior permanece entorpecida, deixando o campo livre àquela. Trata-se como de duas linhas de visada diferentes, mas tomadas pelos olhos da mesma pessoa: um, míope, diurno, capaz de perceber todas as minúcias dos objetos próximos, precisa, concreta; outro, presbita, noturno, bom para distinguir os objetos afastados, as visões panorâmicas, mas vaga, sonambúlica, onírica. As horas da madrugada são as mais profundas, as melhores para a atividade espiritual e, por outro lado, as piores para o enfermo, o que sofre no plano físico; são as em que geralmente o homem morre, pois compreendem o período de maior depressão do dia todo, de ritmo vibratório mais curto, o mais afastado do ritmo longo, lento, vegetativo, diurno.
Todo o nosso ser está saturado desse dualismo inverso. A própria luta pela vida, fato fundamental, assume duas formas extremas: a positiva, de agressividade (conquista) e a negativa, de resistência (conservação), ambas válidas. Sobre esse dualismo também se apoia o básico fenômeno biológico da sexualidade, tanto assim que a encontramos, como oposição de termos, em nossa própria carne. De fato, os tecidos todos se compõem de células e a célula de dois elementos contrários e complementares, o núcleo e o protoplasma. Até mesmo a unidade celular, que está na base de nossa estrutura orgânica, é bipolar, conforme a lei de dualidade. O núcleo, originário do espermatozóide masculino, vibra em ondas curtas; é de radiações azuis, voluntarioso, dinâmico, como o próprio espírito. O protoplasma, oriundo da célula-ovo feminina, vibra em ondas longas; é de radiações vermelhas, sensual, pacífico, acumulador, como a vida vegetativa. O núcleo é eletricamente positivo; o protoplasma, negativo; eis os dois termos antitéticos que, da intimidade de nossa própria carne, do indivíduo ao desenvolvimento biológico e social, representam cisão e compensação de qualidade e divisão de trabalho, por força do qual o princípio masculino assume tarefa inversa e complementar da atribuída ao princípio feminino. Ao primeiro desses princípios, a virilidade, em ondas curtas, incumbe o dinamismo criador, a função de, por meio de estímulos revolucionários periódicos, reanimar, reativar a onda longa da feminilidade que, se tende a conservar, a proteger, acumular, tende também ao enfraquecimento e à estagnação. Essa atividade genética e conservadora equilibra-se na atividade oposta do princípio masculino, diretora e distributiva. A este se confia a iniciativa da evolução, ao feminino a elaboração da matéria-prima, o princípio masculino plasma, o feminino recebe. Mas o primeiro também é eminentemente destrutivo, enquanto o segundo domestica e civiliza. O fato de sua natureza inversa torna-os incompletos e leva-os a se atraírem reciprocamente. Assim, os dois princípios, na luta para se destruírem, se apertam no mesmo abraço. Ai de nós se, compensando-se e combinando-se, as duas funções não se equilibrassem. Então, reciprocamente expurgadas do excesso individual, a destruição do dinamismo positivo se transforma em construção e a passividade do dinamismo negativo se torna civilização. Da combinação dos dois princípios nasce a evolução; o masculino e o feminino são o pai e a mãe daquele filho chamado progresso.
Esse dualismo imprime-se em todo o nosso ser. Das alturas da personalidade desce até à intimidade de nossa carne, até à célula, onde, aliás, está insculpido e donde sobe de novo até à síntese máxima do ego, tornando-se antagonismo entre espírito e matéria. Esse contraste, que se verifica sem cessar e constitui a base da evolução, reencontramo-lo até mesmo no mais íntimo de nossa estrutura orgânica, na divisão e união dos dois sexos. Pode acontecer que as correntes de consciência, que se manifestam em nossa personalidade e a caracterizam, se relacionem com essa bipolaridade das células e nesta se encontre a chave do mistério do subconsciente, dos instintos, das idéias inatas, da hereditariedade; pode acontecer que a recordação atávica se acumule e transmita através dessas células eternamente reproduzidas por filiação direta, das células destacadas dos progenitores, isto é, o espermatozóide e a célula-ovo. Não podemos, agora, perder-nos em divagações a respeito da gênese e da estrutura da personalidade de que mais adiante falaremos. Mas, sem dúvida, o problema espiritual não pode isolar-se do fisiológico; os dois se ligam estreitamente. É verdade que as correntes espirituais nos penetram o organismo até ao interior da célula cuja estrutura é bipolar, quer dizer, contém, o germe das duas vidas, das duas vibrações e radiações, dos dois ritmos fundamentais da existência. Também é verdade que a vida é um fenômeno elétrico, não da eletricidade por nós usada em vários aparelhos. Trata-se de quantidades enormes de energia de posicionamento alveolar e de baixo potencial; trata-se de um grande número de elementos (vários milhões de células), cada um com capacidade energética mínima; poderíamos, mesmo, dizer numero infinito de causas infinitesimais. Num extremo da vida há como que uma pulverização dinâmica; noutro, uma espécie de concentração sintética e unitária em torno do ego. Também neste sentido se verifica uma oscilação entre os dois extremos opostos e complementares. As raízes do psiquismo mergulham profundamente nos misteriosos meandros da estrutura orgânica. Pensam que o material dessa construção é, como primeiro elemento, o átomo, e as moléculas as primeiras construções atômicas em que os átomos se ordenam sistematicamente. Para chegarmos até à célula, precisamos antes considerar a formação dos corpúsculos chamados micelas, compostos de um grânulo recoberto por uma espécie de casca (substância peri-granular). Água circula entre o grânulo e essa espécie de casca. A micela é dotada de movimento contínuo, chamado movimento Browniano. A micela é, pois, constituída de moléculas que, por sua vez, se constituem de átomos, em dois grupos de matéria, um positivo e outro negativo, como, por exemplo, a célula. Essa bipolaridade corresponde, do átomo e da célula aos organismos extremamente complexos, a um esquema geral da criação, estabelecido de acordo com a lei de dualidade. O esquema fundamental dos fenômenos universais é simples e válido para quaisquer grandezas e planos evolutivos. O próprio átomo compõe-se de um núcleo central positivo e de elétrons (ou cargas elétricas negativas) que gravitam em torno dele, à semelhança do sistema solar e seus satélites. O princípio dualístico manifesta-se em toda parte. Encontramo-lo impresso no desenvolvimento da trajetória típica dos movimentos fenomênicos examinada na 1ª parte de A Grande Síntese, desenvolvimento resultante da alternância de períodos inversos, evolutivos e involutivos, de progresso e retrocesso.
É natural que esse dualismo permaneça até mesmo na síntese máxima da personalidade. E assistimos não somente à pulverização de seu dinamismo causal como também à de sua estrutura material que, se de um lado, o máximo, se desfaz na espiritualidade da alma, de outro desaparece na imaterialidade dos últimos de seus elementos constitutivos. Não deve, pois, causar estranheza, o imaginarmos que essa imaterialidade se resolva no dinamismo de uma polaridade elétrica e de um ritmo vibratório radiante, em maravilhosa orquestração de harmonias equilibradas e compensadas com as dissonâncias relativas. A vida, portanto, se elaborou através de atividades mínimas, mas gastou nisso imensos períodos de tempo. Não é demais imaginar que a evolução consiste em lenta aceleração do ritmo vibratório, em transformação do potencial elétrico no sentido de freqüências mais altas, de ondas cada vez mais curtas; nem é fora do comum pensarmos que isso aconteça no processo chamado desmaterialização e espiritualização. A matéria viva de nosso organismo, sensível a todos os choques externos, de que registra os recentes e lembra os antigos, palpitante ao impulso de forças internas e externas, sofre continuamente a ação das vicissitudes da vida social, as asperezas da luta, a hostilidade ambiente. Deve, por isso, elaborar-se e mudar por força. O homem, os povos, a humanidade significam vida e a vida é como um projétil que percorresse trajetória pré-determinada. Tudo se transforma, nada pode deter-se. A carga elétrica, impulso inicial que acompanha o nascimento do ser e anima o percurso do projétil, tende ao esgotamento e então começa o ramo descendente da trajetória. O dinamismo acaba cedendo, primeiro no campo orgânico e em seguida no campo psíquico, exatamente porque neste campo se desenvolveu tardiamente. O último destes dinamismos parece filho do dinamismo orgânico, de que representa a resultante e o objetivo, o efeito residual mais bem elaborado da causa. Isso faz pensar que, como se verifica em relação ao indivíduo, as funções espirituais representam o futuro da raça, sua futura fase de evolução, e também na humanidade se desenvolvem mais tarde. Tanto assim que esse psiquismo corresponde a complexidade orgânica cada vez maior, necessidades de defesa cada vez mais difíceis, pois o drama se torna sempre mais inçado de problemas e requer, por isso, estratégia cada vez mais sábia e rica de mil e uma qualidades. Do contrário, o indivíduo não triunfa. E tudo nos faz pensar em que, analogamente, a evolução deve alcançar, também nos seus mais altos graus, a coordenação atingida nos mais baixos, como, por exemplo, na estabilização atômica e celular. Como o passado criou formas hoje estáveis assim o, futuro estabilizará formas bem mais complexas. Por que razão o princípio protetor da vida não deveria presidir também à defesa das construções biológicas do futuro, mais sublimes e delicadas? A criação é fatigante, laboriosa, lenta, mas contínua.
Baseados nessas considerações, agora podemos definir mais precisamente a lei de dualidade, até mesmo relativa mente à evolução. Assim:
"Todo indivíduo constitui unidade dupla, isto é, equilibrado paralelismo de forças emparelhadas, mas antitéticas. Ou melhor; a unidade compõem-se de metades inversas e complementares, em contraste e em equilíbrio. Desse contraste nasce a elaboração íntima que se chama evolução".. |
A evolução, portanto, resulta de processo bipolar, destrutivo-construtivo. Já vimos de que modo o mal se torna necessário às finalidades do bem. Dessa lei se infere que, se toda unidade é um binômio, tudo é necessariamente luta e guerra, mas também paz; tudo é ódio, mas amor também. Poderemos até mesmo dizer que, por força da íntima estrutura dualística dos fenômenos e, portanto, do fenômeno biológico também, e em virtude do dinamismo de duas forças opostas, a positiva e a negativa, a masculina e a feminina, se produz uma auto-elaboração interior, também chamada evolução, que faz a vida humana progredir do tipo animal, vegetativo, espiritualmente involuído, sensual, sensório, físico, em ondas longas, para o tipo super-humano, psíquico, evoluído, sensitivo, espiritual, em ondas curtas. Em suma: transforme-se de besta em super-homem. Se essa elaboração íntima conduz a vida humana a um ritmo que vai das ondas longas às curtas, leva-a também a caminhar do dia para a noite, afasta-a da luz e do calor de um sol poente, desmaterializa-a por força de maturação íntima, do mesmo modo que, na desintegração atômica, a matéria se transforma em energia; a vida humana extingue-se como forma física, a fim de, em outros ambientes, ressuscitar sob nova forma espiritual.
Estamos discutindo estes problemas e, ao mesmo tempo, aplicando a lei acima exposta. De fato, também a idéia constitui um binômio de forças (isto é, inversas e complementares); e, por isso, como todo debate representa uma oscilação entre os dois extremos opostos do mesmo conceito, conduz àquela íntima auto-elaboração que é a maturação do pensamento, isto é, sua evolução. O leitor pode encontrar por si mesmo muitas outras aplicações dos princípios aqui expostos. Mesmo a radiestesia se baseia em dois tipos de movimentos pendulares inversos e correspondentes ao bem e ao mal, isto é, capazes de, seja qual for o objeto, revelar-lhe as radiações favoráveis ou nocivas. Se o movimento é circular, pode ser no sentido horário (sentido do movimento dos ponteiros do relógio) e no sentido anti-horário; se é retilíneo, falamos em sentido longitudinal e sentido transversal.
A tudo isso se poderia objetar que o princípio de causalidade não basta para explicar a fase superior de evolução que, representando estado mais complexo, significaria "mais" obtido de "menos", isto é, efeito superior à causa. A objeção se justificaria, se o funcionamento do universo dependesse apenas de relação causal. Não se concebe, aliás, desproporção entre causa e efeito nem desenvolvimento maior do que o conteúdo do germe poderia dar. Na realidade, porém, o fenômeno não se desenvolve como as aparências nos fazem supor. O funcionamento do universo não pára, mas, além de orgânico, e contínuo, é evolutivo, quer dizer, é intérmina florada de vida; a mecânica, representada pelo princípio de causalidade, constitui apenas o processo de elaboração dessa florescência. Em resumo: na evolução, mais do que simples relação entre antecedente e conseqüente, verifica-se o desenvolvimento de algo latente na intimidade do ser e a sua manifestação no mundo exterior. Os dois momentos, causa e efeito, não surgem, portanto, ligados por uma relação de igualdade, porque no centro, na causa no germe das coisas, se concentra o invisível poder do pensamento de Deus, poder que se expande e desenvolve na manifestação exterior, por nós mais claramente perceptível. Todavia, se observarmos mais atentamente, verificamos a existência dessa relação de igualdade entre causa e efeito, não na forma, mas apenas na substância. Os nossos sentidos, porém, só percebem a relação formal. A igualdade foge, pois, à apreciação dos sentidos. Se existe na substância, onde o equilíbrio tem de ser perfeito, não existe na forma, que é tudo quanto o homem percebe e, efetivamente, dá a sensação de disparidade entre causa e efeito.