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O CHEFE CRÍTICA DE MAQUIAVEL
Capítulo II do livro Problemas Atuais
Pietro Ubaldi
Para todos, do chefe até o último dos
cidadãos do
Estado, o que
constitui seu direito
particular próprio, é apenas a capacidade de cumprir o seu dever próprio particular.
Assim qualquer poder só é admissível como função social, única
que dá direitos e poderes,
e isso de acordo com o seu grau e natureza.
O chefe condutor de povos, deveria ser um tipo
biológico, mais evoluído
que a média, emergindo,
portanto, da massa do povo, mas apto ao mando sobre ele, a fim de dirigi-lo para metas
superiores. Ele deveria ser como uma ponte entre a terra e o céu, pois que deveria estar em
contato com o pensamento e a vontade da história, obrando como intérprete seu e instrumento
de
execução; e ao mesmo tempo deveria saber descer ao contato com a massa do povo para
conhecer as suas necessidades e cuidar de sua vida e
progresso.
Estes os conceitos do capítulo precedente. Então, se estas tinham que ser as
características do tipo
biológico do condutor de povos, vamos agora confrontá-las com as do tipo biológico que
nos
apresenta Maquiavel, em seu Príncipe, figura de condutor traçada com um realismo
impiedoso.
Confrontemos, para ver quanto de verdade pode haver em suas afirmações tão diversas,
procurando entrar nós mesmos naquela psicologia e assumindo aquela forma mental. Só assim,
partindo do biótipo do super-homem no negativo, tal como no-lo apresentam Maquiavel e
Nietzche, poderemos construir, com inteiro conhecimento, o biótipo do super-homem no positivo,
substituindo ao gênio maléfico da destruição, o gênio benéfico da
reconstrução.
Apresenta-nos Maquiavel em seu Príncipe, uma figura que está nos antípodas da que
acima
traçamos, um tipo diabólico, de astuto e prepotente, de falso e traidor, aproveitador de tudo
e
desprovido de qualquer moral. Aproximemos as duas concepções situadas nos antípodas.
Certamente não pode negar-se que se Maquiavel escandalizou o mundo, foi só porque mostrou
desnudado o verdadeiro rosto de muitos chefes e a baixeza e verdadeira natureza dos meios que
eles usam para guiar a vida social. Maquiavel não quis dar-nos um tipo ideal para ser imitado,
porque nobre e belo, mas apenas quis verificar e mostrar-nos a dura realidade. Como homem
positivo, limitou-se o que esta lhe oferecia nos fatos. Os governantes da terra, desde que existem
governos, sabiam bem as doutrinas de Maquiavel e bem o demonstra o fato de que muitas vezes
as aplicaram. Mas eles tinham uma moral, que consistia em ocultar os seus verdadeiros princípios,
para dominar melhor os súditos, escondendo seu rosto verdadeiro de lobos sob a máscara de
cordeiro. E eles só se insurgiram contra Maquiavel porque este lhes violara essa moral, expondo
sinceramente a triste realidade qual ela é. Em última análise, em seu livro "O
Príncipe", realiza
Maquiavel um ato de grande, mas de incômoda franqueza, descobrindo os segredos que movem o
homem que permaneceu lobo, que ainda funciona em cheio com as leis do plano animal, mesmo
quando sobe aos mais elevados planos de comando e às honras da glória de vencedor e de chefe.
Esse livro foi um ato de grande bom senso e um corajoso reconhecimento da dura realidade dos
fatos. E foi também uma grande bofetada no gênero humano, descoberto em sua vergonha e
ferocidade, tanto considerado na hipocrisia dos governantes, quanto na imbecilidade das
massas.
Sem falar nas leis biológicas, sem dar-se conta das profundas razões pelas quais ainda hoje
se
comportam assim o homem, sem estudar o modo de sair do pântano. Maquiavel expõe
claramente, sem o querer, a natureza bestial do homem, porque essa era a verdade que lhe caía
sob os olhos. Nietzche estabelecia, no plano filosófico, os mesmos conceitos que Maquiavel
estabelecera no plano político. Tiveram ambos o merecimento de pôr a nu o que se esconde
atrás
da hipocrisia e a coragem de fazer aparecer o homem como fera que é. O mundo gritou, porque se
viu descoberto; protestaram os poderosos porque se lhes arrancava o nobre manto que lhes cobria
as vergonhas, e assim se tentou também justificar a velhacaria humana, mas dessa forma fez-se luz
sobre a verdadeira natureza do ser humano e sobre a importância preponderante da luta pela vida
em todas as suas manifestações. Apareceu assim, no condutor, a sua verdadeira face de
dominador, qualidade sem a qual nem sequer se podem fazer as grandes coisas. E o mundo é
dirigido por condutores e avança por meio deles, sejam eles escolhidos pelas
revoluções, que
desembocam no absolutismos totalitários, sejam, ao invés, escolhido pelo sistema eletivo nas
livres
democracias. Qualquer que seja a estrada pela qual cheguem ao poder, os povos, para poderem
progredir, deveriam ser sempre guiados por um tipo biológico mais adiantado que a média. Mas,
infelizmente, os fatos até hoje, dão razão a Maquiavel e a Nietzche, porque o tipo
biológico do
condutor tem sido, com freqüência, o que eles descreveram. O mundo tem o instinto de ansiar
como chefe um ser superior, que pertença a planos biológicos mais elevados do que o seu, que
é
animal, mas tudo permanece sonho vão, diante da dura realidade dos fatos, pelo que, para vencer
e dominar, é indispensável a força, e para criar, mesmo no bem, é mister que
esse bem seja
imposto.
Não queremos com isso justificar nem Nietzche nem Maquiavel. Apenas queremos explicá-los. O
seu erro consiste em ter aceito sem rebelião, e até confirmando, essa dura realidade. A sua
culpa é
não ter procurado opor-se e libertar-se desse mal, superando-o, em vez de havê-lo justificado
como uma lei natural da vida. E isto é um consentimento tácito, uma aceitação.
Pois o homem não
deve, não pode, permanecer sempre no plano animal. Esse reconhecimento deles é quase uma
confirmação ou autorização à baixeza. Nietzche chega até a
idealizar o inferior tipo biológico
apenas da força, e vai até fazê-lo tipo ideal, propondo-o como modelo. Tudo isto
é exaltação do
involuído, é reviravolta de valores, é monumento erguido ao animal. Eis em que reside
o erro e a
culpa desses escritores. Pararam na realidade de superfície, sem compreender que há outra
realidade, mais profunda, a do espírito, da vontade da Lei, dos impulsos da evolução,
da
imanência de Deus. O pensamento humano representa uma força superior à matéria,
deve
dominá-la, plasmá-la, fazê-la evoluir, e não aceitá-la tal qual é
a suportá-la como seu escravo.
Sente-se que a esses escritores e a seus afins falta algo que eles não viram, falta o sentido para
perceber o poder do imponderável, que todavia pesa muito mesmo na realidade histórica e
social
observada por eles. O seu erro é o mesmo do materialismo, que parou à superfície e
que, agora
que a ciência começa a penetrar mais profundamente tem que repudiar muitas de sua
dogmáticas
afirmações. Há um mundo superior que os mais evoluídos sentem por
intuição, e que escapa
completamente a esses homens práticos de ação, ainda quando chegam a ser homens de
estado ou
filósofos famosos. Diante dessas superiores realidades do espírito, que eles negam porque
não
vêem, tornam-se eles crianças, ineptos, incompetentes. Crêem, em seu ceticismo, que
são mais
astutos e que estão mais próximos da verdade em seu sentido prático e dirigindo-se
à ação
acreditam atingir a realidade. No entanto, são incompletos, e em certas zonas da vida, totalmente
cegos. Por isso lhes escapam de todo, como ao materialismo, os sutis valores do espírito e
não
podem compreender nenhuma religião senão a da violência. Seu metro
não pode
medir as
distancias astronômicas do sublime, que é então repudiado e liquidado como inexistente.
Sem
dúvida que a luz para os cegos, não existe, mas assim não ocorre ao que vê.
Para eles a tábua de
valores é diferente, assim como a virtude e os meios, porque diferentes são as finalidades da
vida.
Savonarola, entendido friamente por Maquiavel, bem diversamente reagiu às mesmas
condições de
seu tempo.
Hoje é preciso então refazer totalmente o "Príncipe" de Maquiavel e embora
reconhecendo a
verdade desse tipo biológico, completá-lo nas partes superiores em que está falho.
Aquele
Príncipe é um ser meio fera. Mister se torna dar-lhe a forma humana, digna dos novos tempos.
Movimentaram-se hoje outras forças, a humanidade prepara-se para enfrentar outras
experiências.
Estamos, é verdade, em período de destruição. Mas é justamente nessa
fase que se prepara a
reconstrução. Destruição e reconstrução ao mesmo tempo, o que
significa que os velhos conceitos
materialistas são demolidos e novo edifício se vai erguendo sobre suas ruínas.
Não mais serve hoje
o riso escarninho, o ateísmo cínico de um Voltaire, à mesa de Frederico, o Grande, em
Sans-Souci. Hoje é mister sustentar-se uma crença férrea, tornada necessária
pelos
acontecimentos apocalípticos dos tempos, tornada obrigatória por sua
demonstração racional,
levada até à solução dos problemas últimos.
Poderia parecer que, ao procurar introduzir seriamente o elemento moral na vida política,
quiséramos acrescentar uma mentira inédita, de novo estilo, às antigas muito
conhecidas. Não. É
aqui introduzido o elemento moral de forma racional, positiva, logicamente demonstrada, não na
forma de fé, mas de evidente realidade que corresponde a uma nova ordem de fenômenos
objetivos, a que o mundo, em sua cegueira e posição involuída, deu muito pouco valor
até hoje.
Queremos aqui introduzir o elemento moral na política, porque esta faz parte da vida, que se
baseia também nas leis morais, que não se relacionam apenas com a fé e o ideal, mas
fazem parte
integrante das leis biológicas. Queremos fazer compreender que, diante de tais leis dominantes no
campo ético, não se pode permanecer agnósticos, como não se pode fazê-lo
diante das outras leis
da vida. Queremos fazer compreender que as normas da retidão moral não são o derivado
de uma
opinião pessoal, de que se possa prescindir, mas são uma realidade objetiva que penetra o
nosso
contigente e pode ferir-nos, se não observarmos os seus princípios, com tremendas
reações. Esta
hoje difundido o erro de crer que esses problemas podem agnosticamente ser postos de lado e
resolvidos prescindindo deles, como se fossem apenas produtos humanos desta ou daquela religião
ou escola. Temos que compreender, ao invés, que a humanidade está a milênios pagando
com
dores e sangue essa sua crassa ignorância de verdades elementares, e isto porque vai usando mal,
para seu dano, em vez de sua vantagem, as tremendas forças que hoje ameaçam
triturá-la. Por
causa desse repetir e acumular de erros, chegamos hoje a uma era apocalíptica, em que mais
ameaçadora se torna a reação da Lei, que se apressa para chegar a uma
solução, mesmo se esta
tenha que ser a catástrofe do mundo atual.
No entanto, não é difícil introduzir o elemento moral, pertencente a uma ordem de
idéias de um
plano superior, em nosso mundo, situado ainda de preferência num plano animal. O novo elemento
será introduzido com ponderação e medida, ou seja, na dose suportável pela
realidade biológica
atual, porque, em dose excessiva, poderia fazer-nos perder contato com ela, e transformar-se num
impulso para uma utopia irrealizável. Se o puro ideal pode ser no alto uma esplêndida verdade,
em
baixo pode representar grave erro biológico. Temos que dar-nos conta, na ação, do
plano em que
trabalhamos, para não cometer, em relação a ele, erros que teríamos que pagar.
No terreno
prático, o sublime pode ser um erro, contra a qual a vida reage depois em nossa perda. Não
é
verdade que se possam inverter, em nome do ideal, as leis de cada plano de vida, e ai de quem,
acreditando-se homem de grande fé, subverte a ordem com leviandade. Quando estamos imersos
em certo tipo de princípios e forças, porque esse é nosso grau de
evolução, é orgulho e loucura
pretender evoluir fácil e rapidamente. A nossa fé tem que ser ponderada, consciente das
forças da
vida, das dificuldades apresentadas pela evolução; deve evitar que se transforme em loucura
que
nos lance em cheio em aventuras perigosas, que vemos tantos inconscientes tentarem, às vezes,
com resultados desastrosos. Nesses arrebatamento para o alto, temos primeiro de analisar que
dose daquela revolução biológica, que para o homem atual é a verdadeira
espiritualidade, podem
suportar as nossas condições atuais; temos de estudar antes qual é o grau de
rarefação atmosférica
que podem suportar nossos pulmões ainda não habituados, sem que fiquemos sufocados, sem
respiração. Sem dúvida, uma grande fé e um desejo ardente são os
impulsos mais adequados a
arrancar-nos do baixo para lançar-nos para o alto. Mas os casos de seres que verdadeiramente os
possuem, são raros, ao passo que as leis biológicas são férreas para todos.
Agredi-las, contra elas
empenhar a maior batalha biológica, que é a dos santos, pode desencadear contra nós
tremendas
reações, pelas quais poderemos ser esmagados, se tivermos sido incautos e se nos empenharmos
com leviandade na luta sobrestimando nossas forças. Por isso faliram tão miseravelmente
tantas
tentativas de superação, iniciadas sem levar em conta tudo isso
Falamos de política como de um momento do fenômeno social, que é um momento do
fenômeno
biológico, que por sua vez é um momento do fenômeno cósmico. A política,
portanto, é toda
colocada logicamente num quadro de filosofia do universo. Vemos pois como no atual plano
humano da vida, é verdadeiro o Príncipe de Maquiavel, e que dificuldade existe em introduzir
nesse plano o elemento moral e espiritual. Na vida social, o Cristianismo luta em vão há dois
milênios neste sentido. Mas justamente, quem analisa racionalmente o fenômeno, dando-se conta
de todas as dificuldades, é que está mais apto a orientá-lo no sentido positivo, com
maior
probabilidade de êxito. Em outros termos, queremos ver aqui, no atual grau de evolução
humana,
quanto possa a política conter de elemento moral e espiritual, sem cair na utopia. Só assim
poderemos ficar no terreno prático, falando positivamente aos homens de ação, de
coisas que eles
julgam fora de seu âmbito, para demonstrar-lhes quanto, ao contrário, estas lhe dizem respeito
e
como é perigoso ignorá-las e pode custar caro descuidá-las. Só desse modo pode
falar-se de
forma positiva, no terreno político, de elementos morais e espirituais.
Biologicamente, os governantes são os pastores dum rebanho que deles espera e exige guia e
proteção. Despojados de todas as formas exteriores, as relações entre
governantes e governados,
e ao contrário, são muito simples. São estabelecidas pelas exigências da luta
pela vida. Reduzida a
política a esta mais simples expressão, os sistemas de escolha (seja mediante
revolução ou eleição)
e os sistemas de governo ( sejam totalitários ou representativos) embora diversos na forma se
equivalem na substância. De qualquer modo, o condutor deve ter sempre as mesmas qualidades,
isto é, a do mais hábil, do mais forte, do que melhor dê garantias de defesa, de
prosperidade, de
progresso. Isto é o que exigem os povos de seus governantes, ou seja, o cumprimento da
função
biológica de que se incumbem. Mas, no fundo, é a vida que, através do instinto dos
povos, exige
que cada um cumpra a tarefa que lhe cabe. Hoje o mundo discute muito os métodos pelos quais se
pode chegar ao poder, quer por eleição ou revolução, pela chamada escolha livre
nas
democracias, ou pela imposição e por eliminação dos rivais. Mas são
apenas dois métodos
diversos, em substância fundamentados igualmente na força e na astúcia. No caso da
democracia
será a força do dinheiro, mas requintada que a força bruta, que elimina os
pretendentes inimigos, e
a astúcia será menos policial e feroz. De fato, porém, esses dois métodos,
embora diferentemente
evoluídos, reduzem-se no fundo à mesma luta pela vida, ainda que se manifestem em duas formas
diversas.
sobreviver apenas os mais astutos e se reduz a uma escola de velhacaria. Assim a imbecilidade
diminui e vai desaparecendo e o sistema automaticamente, se torna cada vez mais difícil de pôr
em
prática e menos rendoso. É a lei do progresso. Acrescenta Maquiavel: "Nas
ações de todos os
homens e máxime dos príncipes, olhe-se o fim: vencer e manter o Estado. Os meios serão
sempre
julgados honrados". Eis que vem à tona, nua e crua, a realidade biológica. O mundo
ético é ainda
uma sobreposição instável ao mundo do animal. Existem os princípios afirmados
com gritos, mas
não existe sua aplicação. Não estão ainda eles incorporados, assimilados
à realidade biológica,
que está no fundo e espera, e de cujo fundo sobe a lama. Transições na
evolução.
Os súditos sonham com um chefe bom, mas para explorá-lo, agredi-lo, tirar-lhe o poder; e
só
param quando A luta é a condição primordial da evolução, que é
uma longa escada que temos de
subir com esforço nosso. Daí o contínuo esforço para emergir das
condições inferiores da vida,
vencendo a despeito do ambiente e a despeito de todos. Em nosso plano, significa essa luta o
esmagamento de qualquer rival de nossa vida. Se ao seu evoluir amanhã, tornará a
seleção uma
forma mais apurada, tendente à produção de um tipo mais consciente e espiritual, hoje
serve a luta
para a seleção do mais forte quase que somente em sentido animal, porque é este agora
o tipo
biológico dominante na terra. Em vista disso, a primeira coisa que os povos exigem de seus
verdadeiros chefes é a força. Para realizar o grande esforço da
evolução, o mundo procura sempre
a força. Por isso, a mulher adora o homem, os pobres invejam os ricos, os inferiores na escala
social obedecem a seus superiores. O chefe de um povo é, em última análise, o homem,
pai de
uma grande família. Mais que bondade e amor, qualidades femininas, pedem-se-lhe as qualidades
viris do poder e da capacidade de domínio, únicos que o autorizam ao mando. A vida, exige no
chefe que guia, o tipo melhor da raça, mas melhor em relação e em
proporção a ela. É assim que
cada povo, segundo seu grau de evolução, precisa como chefe, de um tipo biológico
evoluído em
proporção a ele, portanto, nem muito involuído, para que não seja desprezado
por estar muito
baixo, nem demais evoluído, que seja incompreendido porque muito alto. Por isso se diz que os
povos têm o governo que merecem. Mas pode dizer-se também que os chefes têm o povo que
merecem. Entre governantes e povos, se deve haver certa distância evolutiva para estabelecer a
superioridade do condutor, também deve haver certa afinidade que permita a
comunicação,
embora isso implique defeito, mas é necessário para estabelecer a sintonização.
O chefe, como homem, pai de sua grande família que é seu povo, como a locomotiva de um trem,
abre o caminho para a frente, diante do comboio. É como o indivíduo escolhido, que guia as
migrações das aves. Reis, imperadores, presidentes de república etc. todos existiram e
existem
porque a vida precisa deles para cumprimento de uma função biológica
necessária, a da guia. Ao
chefe, todas as honras, a riqueza, a obediência. Mas a vida não dá coisa alguma para o
nada, e o
instinto dos povos o sabe. Essa homenagem não é gratuita para o chefe, mas apenas uma parte
de
um contrato bilateral, e por isso o povo exige do lado oposto capacidade, justiça, defesa. O povo
obedece, paga as taxas, dá seus filhos para que a pátria os sacrifique em defesa
própria, mas quer
ser pago de tudo o que dá para o bem de todos, com a ordem interna (defesa contra as minorias
agressivas), com a garantia da propriedade e da família, com sua liberdade nos limites do que
é
lícito, com a defesa contra os inimigos externos. A propaganda pode criar uma psicologia artificial
a seu modo, mas apenas dentro desses limites. Por mais que se alardeie que um povo navega na
abundância, ele compreenderá sempre que ao invés o devora a miséria; por mais
que se lhe queira
convencer que ele vence, ele sempre perceberá quanto perde.
Quando, por exemplo, saindo do simples e normal terreno administrativo ou político, um chefe
entra num jogo maior, o da vida ou da morte da nação, empenhando-se numa guerra, o povo
então desperta e apura o olhar. Os jornais quase sempre cheios de crônicas escandalosas ou
criminais, de personalismos e soníferos, de interesses maus ou nulos, e que portanto talvez melhor
seria nem lê-los, tornam-se nessa ocasião ardentes e vitais, porque é forte a entrada
para o jogo
da vida, e eles registram os grandes acontecimentos que constituem a história. Instintivamente
desperta a mente dos povos, porque sentem que ocorre algo grave. Diante dos interesses da vida,
as normais vicissitudes políticas e parlamentares têm valor de crônica e boato de
aldeia. E é este
ao contrário o momento em que o chefe é mais controlado pela opinião pública,
exigindo dele que
desempenhe sua função. O povo obedece e faz sacrifícios. O chefe continua a mandar e
pedir. Se
o chefe vence, com ele vence a nação, com ele triunfa e tripudia, aproveitando todos juntos
dos
despojos à custa do inimigo. E triunfam todos na vitória da vida.
Se ao invés, o chefe perde, é a vida que nos instintos do povo, se sente derrotada. Ela
então,
através desse instinto, revolta-se contra o chefe que teve a pretensão de saber desempenhar
uma
função e a não desempenhou. Não se brinca com a vida. Esta é sua
linguagem concreta. A vida
reprova nos exames, matando seus alunos. Rebelam-se então os povos, e matam ou depõe seu
chefe, chamando-o de traidor. Traidor de quem? Da vida, que realmente se sente traída por quem
assumiu um empenho vital sem sabê-lo depois manter. Esse sistema de liquidação
poderá
desaparecer com a evolução, mas é normal e considerado legítimo em nosso plano
involuído, ainda
no nível animal. Esteja atento, pois, quem se entrega ao poder da força, porque lhe
não será
deixado outro poder. Quem ingressa nesse terreno, se acaso perder, não poderá esperar
piedade,
bondade, justiça, pois ele mesmo, ao penetrar no terreno bélico, por mais que queira e possa
justificar-se, se colocou fora do campo dessas forças, que o não mais sustentarão.
Mas, se vencer,
demonstrando com isso ser verdadeiramente mais forte, então tudo está para ele:
glória, poder e
até a bênção de Deus. Ele escreverá a história a seu modo,
estabelecerá sua verdade, e a fixará
numa nova ordem, em que todos os vencidos estarão a ele sujeitos. Poderá até
revestir-se de
justiceiro, e assim camuflado, criar tribunais, encenar processos e emanar sentenças em nome da
justiça contra seus inimigos, chamando-os de criminosos de guerra ou coisa semelhante. E ele
não
pensa que, se ao contrário tivesse perdido, ele teria sido julgado e condenado com o mesmo
sistema de justiça. E não é novo que nas alternativas vicissitudes da vida, sejam
vencidos os
vencedores e depurados os depuradores.
Esta é a realidade mais verdadeira, que se acha escrita no fundo das leis biológicas. Diante
desses,
muitos problemas políticos são questões de forma, modalidades de superfície,
luta para que vença
um homem ao invés de outro. Por trás de tudo está a realidade biológica, que o
sustenta, explica e
justifica, sempre pronta à vir a tona dágua, saindo de sua profundidade. Diante dela, o
sistema
representativo que a alguns parece hoje a panacéia para todos os males políticos, é
questão de
forma. Ao contrário, biologicamente, substituir ao único chefe de família, pai de seus
filhos, uma
assembléia eletiva de pais-de-família, escolhidos pelos filhos, que deveriam ao invés
obedecer ao
pai, mais velho e mais sábio, parece um erro. A vida se apega de preferencia ao princípio
absolutista e totalitário, que é o princípio teocrático da autoridade, do poder
absoluto, concedido
ao melhor, que o é pelo próprio plano de vida ao qual ele pertence. Mas a vida faz tudo isso
apenas subordinadamente a uma função, de que, depois exige o desempenho. As leis
biológicas
concedem poderes absolutos, mas experimentam e examinam o indivíduo a cada momento, e os
retiram logo que este não os utilize para os devidos fins e trai assim a função para a
qual aqueles
poderes lhe foram concedidos. O sistema representativo, despersonalizando o poder, procura
evitar essas sanções ferozes. Os sistemas totalitários e de poder absoluto presumem um
chefe
relativamente perfeito. Sendo isto muito raro, eles se transformam muitas vezes em tirania ou, por
inaptidão, em ruína. Diante dessas perspectivas, resultantes de experiências bem duras
da história,
é que nasceu a justa reação contra os governos absolutos e totalitários. Mas,
um partido político,
em pleno sistema parlamentar, se obtiver a maioria (que, com o sistema de propaganda eleitoral e
a inconsciência das massas, nunca se sabe se realmente corresponde a uma vontade da
nação)
pode exercer a mesma tirania ou por inaptidão levar à mesma ruína.
Quem é, então, que verdadeiramente dirige uma nação? É o mesmo
pensamento que dirige a
História. Numa colméia de abelhas, num ninho de térmitas, não há nenhum
chefe visível. A rainha
põe os ovos, é defendida, mas é quem menos manda. Ninguém manda e todos, na
coletividade,
estão subordinados à função. Logo que não estejam mais em
condições de desempenhá-la são
liquidados. O que constitui o direito é apenas a capacidade de desempenhar seu dever próprio
particular. Quem manda de fato é então o invisível pensamento da vida, que atribui os
poderes em
proporção à função e como meio de desempenhá-la. É um
mando anônimo, impessoal,
onipresente, preso na economia utilitária da vida, à função que é a
única que dá direitos e poderes.
Assim ocorre na vida social das nações. Aqui chefes e sistemas são relativos,
mutáveis, fictícios.
São pura forma ou instrumentos. Se além deles quisermos achar a substância, isto
é, quem é que
verdadeiramente manda e dirige, temos que recorrer, como nas sociedades animais, ao
pensamento e à vontade da vida, que manobra todos partindo do íntimo deles, movendo-os sem
que eles se dêem conta. As massas, com efeito, sentem e manifestam o pensamento coletivo por
instinto, e acham o caminho que têm de seguir, por intuição. Elas não saberiam
dizer por que o
seguem. Quem é então que pensa por elas e lhes instila as idéias adequadas ao momento?
É
verdade que as multidões são instigadas e lançadas mas só até certo
ponto, porque, uma vez
lançadas, em geral não obedecem mais, tanto que as revoluções costumam matar
seus primeiros
promotores. Quem poderia confiar na política, se não soubesse que atrás dela e por
trás dos erros,
das loucuras e dos delitos dos homens que a fazem, existe o juízo e a sabedoria de um pensamento
superior? Está por acaso a política fora da vida e do cosmo? E se este está no
singular, portanto
como tem que ficar no singular é dirigido pela imanência de Deus, como pode a política
escapar a
esse poder e lei universal? De fato acima de governantes e governados, há outro Chefe supremo
que, dirigindo toda a vida, os dirige também para os fins mais altos, além deles, que
estão imersos
na luta pelo triunfo pessoal, não podem ver. Então, em última análise, quem
salva as nações,
apesar de todos os erros e egoísmos humanos, é o próprio pensamento e vontade que
dirige a
história, e tudo utiliza como meio para que se cumpra a evolução.
Observemos agora mais de perto o pensamento de Maquiavel no Príncipe, para compreender
melhor por que motivo e até que ponto, corresponde à verdade uma linguagem tão crua,
se
podem, e até que limite, ser aceitos tais conceitos, e de que modo podem ser completados no
campo espiritual, que Maquiavel ignora. Procuremos traçar desse modo uma figura mais completa
do Príncipe, em lugar daquela, mutilada na parte superior espiritual, - tão necessária
à vida, no
entanto daquela que resulta da visão materialista desse escritor. Chame-se príncipe,
rei,
imperador, presidente, condutor, chefe, etc., ainda que se mude a forma de eleição e de
governo,
o homem que está no leme de um estado tem sempre a mesma função, deve fazer o mesmo
trabalho e, diante das leis da vida, sobe ao poder e o exerce pelas mesmas razões. Diante de um
problema tão importante, qual estabelecer os atributos e o comportamento do supremo chefe de
Estado, do que tem em mãos as rédeas da nação e é dono da alavanca de
comando, diante de um
problema tão substancial para a vida dos povos, Maquiavel demonstra apenas uma psicologia
prática, utilitária, com fins limitados e imediatos, como o de vencer materialmente, subjugar
os
povos e permanecer no poder. Numa visão tão realística, mas não restrita,
escapam-lhe
completamente as mais altas funções próprias ao condutor de povos que, se quiser ser
completo,
não pode prescindir dos imponderáveis valores do espírito. Ora, um chefe assim
saberá submeter
e dominar, saberá manter sua posição, saberá vencer os rivais, mas
continuará totalmente ignorante
da única razão que lhe justifica o exercício do mando, isto é, que o poder
não é fim em si mesmo,
mas apenas um meio para atingir os superiores fins da vida. Falta a Maquiavel uma vasta visão
biológica, para relacionar todas as formas de vida coletiva, mesmo no mundo animal, e assim
compreender que as leis que governam todos os seres só concedem poderes para desempenhar
uma função, e em proporção a ela. Assim Maquiavel não percebeu que
cometeu um erro
biológico. Falta-lhe uma visão cósmica, em que é indispensável enquadrar
qualquer verdade,
mesmo a menor no contigente. Seu realismo deixa-o fechado numa realidade pequena, de
resultados imediatos; sua análise, mesmo verdadeira, é tão exclusivamente presa apenas
aos fatos
concretos, de que não indaga as razões profundas, que dá a impressão da vista
curta de um míope.
Ele não olha o que está atrás desses fatos, e o motivo por que acontecem. É
simplista, ingênuo,
superficial.
Assim, mostra-nos Maquiavel uma realidade verdadeira, mas triste e chã, fechada em si mesma,
sem esperança de evolução. Corresponde essa visão ao conceito que também
até hoje, na prática,
se tem do poder; ou seja, uma exploração da posição de mando para a exclusiva
vantagem egoísta
pessoal. Tudo isso, ainda que verdadeiramente objetivo, não só põe a nu toda a
vergonhosa
baixeza do homem e seu estado de involuído, como ainda demonstra crassa ignorância das leis da
vida, na louca presunção de querer impor-se a elas. De fato, que resultados obtiveram os
numerosos sequazes de Maquiavel, senão a instabilidade de tudo e de todos, lutas e ruínas
contínuas? Isso porque não compreenderam a lei, pela a qual a vida tira o poder, quando esse
não
é usado para desempenho de uma função; porque não compreenderam que a
exploração para fins
egoísticos é um jogo de forças instáveis que se não sustentada, e por
sua natureza tende a ruir.
Assim, ainda que seja a sua, uma corajosa declaração de verdade, Maquiavel sanciona, no
fundo,
e aprova um triste estado de fato, o que representa não só uma autorização
imoral para insistir
nele, desde que vem aceito e justificado como legítimo, mas representa, ao lado de um erro
biológico, também uma instigação a cair e recair nele, para os incautos que
nele acreditam. E essa
aquiescência e reconhecimento, mais do que sua ignorância que nos repugna em Maquiavel: isto
é,
sua total ausência de revolta, que tem de ser feita em nome de um fim mais alto, para qual tende a
vida. O que é horrível, em Maquiavel, não é a verdade que ele diz, mas o fato
que ele a aceita,
ficando fechado dentro dela, convencido, sem sentir a necessidade de tentar qualquer caminho de
saída. Assim, seu ceticismo congênito se reduz a uma asfixiante estreiteza de visão.
O único terreno prático em que Maquiavel podia encontrar-se com os fatores espirituais era o
cristianismo. Mas a religião foi por ele relegada fora de seu tema, excluída dos
negócios de estado.
Em seu terreno, os valores espirituais tinham bem pouco peso, e dela ele só viu os homens que
materialmente a representavam na terra, ligados por interesses numa coligação
política. Além disso,
ele era levado a exaltar, como Nietzche, a força, a coragem e a vitória dos homens de
ação, e não
podia certamente compreender o que pode haver de verdadeiro nas virtudes da humildade e
espiritualidade, tão mal representada em seu mundo. Maquiavel nunca suspeitou que além dessas
formas, houvesse uma realidade positiva, tanto quanto a descrita por ele, e houvesse valores
espirituais com um peso ainda maior que os que ele observou, que houvesse outras leis e outros
princípios, cuja ignorância e inobservância podia produzir desastres mesmo em seu mundo
prático,
que tem suas origens nessas leis e nesses princípios. Só podemos compreender Maquiavel
vendo-o colocado no lado negativo, inferior, involuído do sistema. Mas já vimos nos volumes
precedentes, que esta só é verdade nos planos inferiores e que, se subirmos, ela desaparece.
Pois
aí entramos nos planos mais altos, em que ficam cegos os pensadores desse tipo, e aparecem
verdades superiores, que explicam e valorizam todas as coisas diversamente.
No terreno de Maquiavel as virtudes morais têm valor negativo, isto é, não são
conquista atingida
por superação, mas renúncia e perda. É natural que as coisas, vistas de baixo,
mostrem um
aspecto oposto ao que se vê olhando-as do alto. Por isso, normalmente, a bondade evangélica
é
confundida com fraqueza e ingenuidade. Cada julgamento está feito em proporção com o
modelo
proposto. É assim que a concepção de Maquiavel pode parecer, a quem veja as coisas do
alto,
um emborcamento de valores e uma subversão de ideais, tanto quanto estes podem parecer loucas
utopias se olhados de baixo. Assim, evitando ele todo princípio superior, delineia-nos uma figura
de príncipe bem proporcionada à sua função de domador, tal como o estado
involuído dos povos
exige dele; ao mesmo tempo Maquiavel compreendendo bem, em sua objetividade, que a união
que estreita entre si governantes e governados, pelo fato de basear-se no interesse comum, se
transforma em luta quando este falha e que, portanto, um santo cheio de bondade, não pode
governar na terra.
Por isso, Maquiavel nem sequer conta com a bondade de sentimento do povo, e aconselha ao
chefe basear-se mais no temor que possa inspirar, do que no amor. É mais seguro ser temido do
que amado. O amor diz ele é um vínculo que é bem depressa quebrado,
por utilidade própria,
pelos homens que são malvados; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que jamais
desaparece. Na mesma ordem de idéias, desenvolvidas por Nietzche, moveu-se Hitler, seu
discípulo, em seu livro Mein Kampf und Leben, onde diz: O terror não
é vencido pelo espírito,
mas por outro terror igual. Pois bem, hoje a completa derrota da Alemanha ensina a todos que
crêem no terror, que este não basta para vencer. Mas haverá alguém que jamais
tenha aprendido
as lições da história? Falou-se tanto de imponderável, na última guerra,
sem compreender que ele é
tão ponderável que pode destruir as nações, quando estas violam os
princípios da Lei. Por esses
princípios, logo que nasce um terror, surge, por equilíbrio, um contra-terror, e ambos tendem
a
matar-se reciprocamente, para serem auto-eliminados. A Lei penetra também no mundo político,
e
a Lei consiste no seguinte: quem faz o mal, o faz a si mesmo, e quem faz o bem, o faz a si mesmo.
A religião do ódio é um suicídio. A história é uma cadeia
interminável de vinganças e
contra-vinganças, que por isso jamais se resolvem e geram apenas um contínuo sofrimento.
Torna-se indispensável, porém, uma humanidade mais inteligente e evoluída para
compreender
tudo isso. Pode haver, em sociedades mais civilizadas, outras relações, que não sejam
as atuais de
esmagamento mútuo, que predominam nos planos inferiores da vida. Nos planos mais elevados,
entram em ação outras forças e outros elementos. Com a evolução as
relações se tornam mais
suaves, e se aperfeiçoam, a vida se apura e pode triunfar de outros modos. Só os primitivos
acreditam que se pode vencer apenas com a ferocidade.
Nos governos dos povos é hoje necessário um duplo trabalho: o teórico, que vê ao
longe, que
descobre e indica a meta; depois o prático, analítico, que realiza a ação.
São necessárias duas
vistas, uma para os horizontes longínquos, outra para o contigente próximo. A primeira revela
os
princípios universais, dando as grandes linhas de orientação; a Segunda entra nos
particulares,
ocupando-se da atuação. A primeira é a bússola; a segunda o leme. Esta deve
conhecer a verdade
de Maquiavel, que está na realidade da vida, a outra deve conhecer os conceitos-base, que
explicam tudo isso e da qual tudo deriva. Um é trabalho exterior de atuação, o outro
um trabalho
interior de compreensão. Para agir, é indispensável a mente que dirige e o
braço que executa.
É certo que na prática, o êxito de um homem político será tanto mais
fácil e rápido, quanto mais se
ocupar ele de resolver os problemas pequenos e tangíveis que as massas melhor compreendem.
Essas, satisfeitas, aclamam-no então. É por esse êxito contigente que são
atraídos os chefes de
menor alcance visual, porque vão pelo visível e imediato. Mas se esse triunfo pode nascer da
satisfação dos desejos do povo, ignaro dos grandes fins da história, é ele de
efeito transitório,
proporcional ao valor do trabalho realizado. Mas há outro êxito, o de quem se dirige para as
grandes metas longínquas da nação, mesmo se não puder satisfazer, de momento,
as massas. Este
outro êxito é bem mais duradouro e muito mais importante, porque, abarcando horizontes mais
vastos e longínquos, e operando realizações maiores e mais profundas, é
proporcional ao valor do
trabalho executado. Mas o primeiro condutor será apreciado imediatamente, e o segundo muito ao
fim da vida ou depois de morto, só quando essas coisas futuras tiveram podido
realizar-se.
O homem político equilibrado deverá procurar manter-se entre esses dois extremos, porque, se
é
um dever para ele, pensar no futuro da nação, é também uma necessidade
permanecer no poder
satisfazendo os cérebros medíocres da maioria, dos quais justamente depende o poder, com o
sistema eletivo. O chefe deve ser um teórico e um prático ao mesmo tempo; ou pelo menos, se
não
tiver em si essas duas qualidades opostas, deve cercar-se de conselheiros que, com seus cérebros,
lhe forneçam os resultados. O teórico olha os resultados remotos, o prático observa os
próximos.
Só após muito tempo, é que muitos passos pequenos do segundo poderão cobrir um
passo, muito
maior, do primeiro, e coincidir com ele. Este trabalha para os vindouros, aquele para os presentes.
As duas direções são complementares. O político necessita de uma bússola
que o oriente e o guie,
não só nos casos particulares imediatos, como também nas grandes linhas, sem o que
caminhará às
cegas, sem metas, e jamais poderá empreender grandes coisas. O teórico, por sua vez, precisa
de
um executor prático, sem o que sua visão permaneceria sem atuação. O certo
é que, quanto maior
for o político e mais longo alcance tiver, menos será compreendido no momento. Quanto mais
for
pioneiro, tanto mais tarde será exaltado. Torna-se então heróica sua vida, porque ele
sacrifica-se a
si mesmo e as suas satisfações e triunfos imediatos, e suas próprias defesas, pelo bem
do futuro da
nação. E se um povo sem compreensão lhe tirar o poder, é justo que venha a cair
sob domínio de
chefes de menor valor e que assim se retarde o seu progresso.
Para Maquiavel, o exercício do poder parece confiado apenas a uma cadeia de traições.
Mas
chegará hoje o mundo a ser tão inteligente, que compreenda que isto é uma
fábrica de males para
todos, com o qual se envenena o ar de todos? Para Maquiavel o chefe deve ser simulador e
dissimulador porque a bondade é rara, mas não a estupidez, e o que engana achará
sempre quem
se deixe enganar. Sem dúvida, esta é a arte de fazer da terra um inferno, e essa arte
só poderá ser
executada por demônios. O chefe, pois, não deve ter certas virtudes, mas deve fazer crer que
as
tem. Isto, acrescenta Maquiavel, porque, tendo-as e pondo-as em prática, elas são
prejudiciais:
"Algo existe, que parece virtude, mas seguindo-a, leva à ruína; e outra coisa há
que parecerá vício,
mas se o seguirmos trará segurança e bem". Mas, acrescentamos nós, quais
são os verdadeiros
fins da vida, tanto para o chefe quanto para os povos? E podem ser sacrificados esses fins,
tornando apenas o governar o fim supremo, o qual é somente um meio? Mas que utilitarismo
míope é esse se os governantes violando a Lei e expondo-se às suas duras
reações, não poderão
nem sequer alcançar seu único fim, que é permanecer no poder? Isto, entretanto,,
não é apenas
ferocidade e mentira, é sobretudo ignorância, é não saber compreender o
utilitarismo mais vasto, o
qual, seguindo as leis morais, não se expõe às suas reações destrutivas.
E ignorância, ferocidade e
agressividade são as características do homem involuído. Quanto mais evolve o homem,
mais lhe
parece tudo isso como uma maldade demasiadamente primitiva e prejudicial a todos, para que
possa continuar por muito tempo a ser aceita.
Continua Maquiavel: "Todos vêem o que pareces, poucos sentem o que és. E esses não
ousam
opor-se à opinião dos muitos". Esquece-se, no entanto, que esse sistema, se é um
hino a
imbecilidade humana, realiza, à força de ferir os mais ingênuos durante séculos,
uma seleção que
faz acham o homem duro que Maquiavel nos descreve. Fala-se: o poder deve servir para o povo.
Mas que faz o povo para que o chefe seja bom? Agride-o ao primeiro sinal de fraqueza. Diz-se
que o poder é entendido como exploração egoísta do chefe, e não como
função social. Mas como
pode pretender-se o contrário, quando sua primeira necessidade é a auto-defesa? "Ir ao
encontro
do povo" deve ser, pois, apenas uma bela frase. Na realidade ocupação do que
detém o poder
deve ser defender-se dos rivais, que tendem a agredi-lo, para tirar-lho. Mas o povo gosta do lindo
sonho de crer que os governantes só tem uma coisa a fazer: protegê-lo, pois está no
poder por
graça de Deus. Tão imensas ingenuidades coletivas, que também sabem fazer-se
tão exigentes e
ferozes, que chefes podem atrair para si? Como pretender que uma corrente tão universal, sejam
eles diferentes do tipo dominante? É inútil inventar sistemas, quando o nível
médio da raça humana
é o que é.
Se os chefes são assim, em grande parte a culpa é também dos povos. Em uns e outros,
há uma
corrente psicológica involuída que arrasta todos. Bem quereriam as massas, em seu chefe
aquelas
perfeições morais de bondade, que lhes seria cômodo achar nele, para melhor
aproveitá-lo,
perfeições que é absurdo que ele tenha porque, se as tivesse, ele como chefe, seria
logo liquidado.
Todos desejam os bons, mas para aproveitar-se deles. Assim se explicam as verdades enunciadas
por Maquiavel. O chefe deve parecer bom, mas ai dele se o for de verdade. Só um chefe forte,
que não se deixa esmagar pelo assalto de outrem ao poder, é respeitado. Dado o atual grau de
evolução humana, é inútil apelar para a compreensão, bondade e
inteligência, mas, como diz
Maquiavel, só se pode contar com o temor. Neste mundo, só o mais forte é
respeitável.
E se o chefe deve ser assim feito, como pretender dele aquele comportamento ideal, que é a
negação da realidade da vida, tal como ela é hoje no mundo humano? Deste modo, o homem
chega ao poder emergindo das camadas sociais inferiores, com seu esforço e risco, contra todos.
Com isto, quer ele satisfazer a seu instinto de subir, seu anseio de poder, de riqueza, de grandeza.
Quando chega assim, vencendo após dura luta, como poderá transformar-se em outro homem e
seguir outro sistema? Como poderá deixar de pensar, em primeiro lugar, em gozar o merecido
prêmio de seus esforços e de sua habilidade? Mas, dado o que ele é, faz-se natural que
utilize o
poder antes de tudo em sua vantagem e satisfação, procure defender-se dos seus inimigos e
submeter os seus semelhantes, porque são estas as necessidades que a vida impõe, e não
há outro
meio de reforçar aquilo que é pedestal do seu poder. Como pode a luta pela vida desaparecer
logo no vértice da pirâmide social? E como, num mundo egoísta, poderia ser o poder algo
diferente de uma afirmação do eu, que se impõe no ambiente social para dominar todos?
Tudo isto
é um derivado lógico da estrutura do sistema psicológico que dirige a humanidade. Sem
dúvida,
que deveria ser diferente, e caro se pagará o ser assim. Mas enquanto o homem pensar desse
modo, as coisas não poderão ser diferentes. E a psicologia da força não pode
ter como resultado
senão traição, ilusões e dor.
A maioria dos homens tem um irrefreável instinto de domínio. O que vence sobre todos se torna
chefe supremo. Os outros se coordenam hierarquicamente, segundo suas próprias forças.
Forma-se assim uma classe dominante, que se organiza para sua defesa contra as classes que
ficaram em baixo, e que não conseguiram subir e vencer na luta. Ocorre, então, no grupo
dentro
da classe dominante, uma repartição dos lucros da vitória.
Quem está de fora, fica a olhar de estômago vazio. Quem pertence a planos biológicos
mais
evoluídos se surpreende de ver que, diante de um poder exercido como exploração e
esmagamento e não como missão, não se rebelam os povos. Mas se é isto
injustiça feroz nos
planos superiores da vida, é coisa normal nos inferiores. Nestes, é justo que os povos
escravos,
que não têm força, não se rebelem contra os dominadores. As massas dominadas
sabem que os
fracos não têm direitos contra os mais fortes, e que por isso têm de calar. Sabem que
não
merecem a vitória, porque não conseguem impor com a sua própria prepotência, e
que por isso
têm de suportar. Sabem que, segundo a lei de seu plano, os fracos serão justamente esmagados
até aprenderem a ser mais fortes. Com efeito, só agora, quando as massas, por sua
organização,
aprenderam a fazer-se valer, é que os dirigentes as tomam em consideração. Assim os
deserdados
sofrem, não porque aceitem, mas porque esperam uma ocasião para fazer pior, pois a lei dos
vencedores e dos vencidos é a mesma: a do mais forte. O problema é um só para todos:
vencer
esmagando.
Assim os vencidos ficam a olhar todas as velharias dos vencedores. Não sabem organizar-se,
compreender melhor, para fazer melhor. São todos da mesma raça. Declaram com melancolia que
é inútil mudar o chefe, porque os outros são piores. Quem quer que seja que suba ao
poder, isto
não mudaria a situação. Deploram-no, não porque pensem numa ordem superior, mas
porque não
podem fazer o mesmo. Deploram-no por inveja, convencidos de que é assim mesmo que se faz, e
prontos a fazer o mesmo. Alimentam a esperança de poderem chegar também eles um dia a tomar
parte no banquete, ou ao menos aproveitar as sobras. Vivem assim com a miragem de conseguir
um dia apoderar-se de qualquer coisa, como só pode fazer quem tem em mãos o
poder.
Entre os que ficam de fora, a olhar de estômago vazio, são escolhidos os subordinados, os
satélites, a clientela dos dependentes que se oferecem contanto que ganhem algo do banquete.
Assim podem entrar outros nas fileiras dos felizes. Nascem daí os representantes da autoridade,
mediante cessões parciais, nascem a burocracia, os administradores, a classe dos escravos do
Estado, que podem enfeitar-se com a sua libré. É a máquina social a serviço dos
patrões. Estes
mudam, por vicissitudes políticas, mas a máquina permanece, porque serve para
todos.
Mas nos escravos, fica também o instinto de subir, o humano e universal instinto de dominar. E
não
há homem que, ao vestir-se com a libré do patrão, não se sinta por si mesmo
investido com a
autoridade dele, e também um pouco patrão, e não procure, como o fazem os chefes,
utilizá-la
para si. O homem é sempre o mesmo. Por isso, o funcionário acredita que ele mesmo é,
um
pouco, o Estado, como o sacerdote crê que é, um pouco, a igreja e, investindo-se da autoridade
de Deus, de que ele se faz ministro, é levado a dogmatizar como tal, e isto tendo por base apenas
suas idéias pessoais. Como ministro de Deus, ele se sente um pouco investido de Sua
onipotência
e infalibilidade. Assim o médico é levado a substituir-se às forças curadoras
da natureza, tentando
monopolizar em suas mãos os poderes dela, como os ministros das religiões são levados
a
monopolizar Deus e utilizá-lo como poder próprio. Por isso, o médico é levado a
assenhorar-se do
doente, na luta contra os micróbios, como o ministro de uma religião é levado a
dominar as
consciências, impondo-se aos mais fracos. Assim, o exército, consciente de sua força,
pode tentar
tomar conta do poder.
A Lei é sempre a mesma. Luta pelo domínio. Todos os grupos humanos, todas as formas de
governo, em qualquer tempo, todas as classes sociais, todos os homens em qualquer nível, se
assemelham. Não se pode culpar ninguém em particular. O homem é que é feito
assim, vista ele
qualquer libré ou manto real ou presidencial. Todos conhecem esses defeitos, mas só se
vêem e
denunciam no grupo oposto, contra o qual se luta, porque o próprio grupo é sempre dos homens
perfeitos, e o outro é sempre defeituoso e corrompido. A verdadeira realidade que está em
tantos
discursos, exaltações e condenações, é a luta: luta em que todos se
igualam, e bons e maus
situam-se em todos os terrenos e se misturam em todos os grupos, sem que se possa dizer a
priori que nenhum grupo seja melhor ou pior.
Essa visão objetiva da realidade biológica pode dar-nos um conceito de Estado, de forma mais
positiva, do que o possam quaisquer construções artificiais filosóficas e
ético-jurídicas. Como
fundamento disso, está sempre o espírito gregário, com fim utilitário, para
ataque e defesa na luta
pela vida. Estas são as bases biológicas e as verdadeiras origens do Estado. Se quisermos
compreender os fenômenos sociais, temos sempre que referir-nos aos princípios fundamentais da
vida. É assim que instintivamente se formam os grupos, e o que vence os demais forma a classe
dominante que constitui o Estado, que então se organiza para sua defesa e sobretudo para resistir
em sua posição. Em redor desse grupo dominante rodam como satélites as forças
menores da
nação, em posição mais ou menos privilegiada e com domínio
correspondente a seu valor e
poderio. Neste trabalho e distribuição, todos obedecem ao mesmo imperativo e necessidade
imprescindível, que é viver; e necessidade também de descobrir e usar todos os meios,
desde a
força até a paciência, do domínio à adaptação na
obediência para sobreviver. Ao vencedor a
glória e a própria submissão, só porque ele representa a capacidade de guiar,
que os subordinados
aceitam apenas como vantagem própria e defesa.
Como se vê, permanecemos em tudo isso no princípio do egoísmo, e o edifício todo
é construído
sobre um jogo de egoísmos. O homem de hoje é tal, que é inútil pretender que o
Estado, ou
qualquer agrupamento humano, possa ser algo diferente de uma organização de egoísmos,
em
bases estritamente utilitárias. Nesse nível evolutivo, o altruísmo é um absurdo
biológico. Hoje só se
pode começar dilatando lentamente esse egoísmo, fazendo com que a inteligência
compreenda a
utilidade egoística dessa dilatação. Só podemos realizar hoje o progresso,
procurando aumentar
essa organização, de modo a tornar partícipes de suas vantagens um número cada
vez maior de
cidadãos. Trata-se de conglutinar a maior parte possível do povo na classe dominante, e esta
é, de
fato, a conquista que as massas querem hoje impor aos dirigentes. Esta é a tendência do
progresso, que faz pressão da parte de baixo, contra o grupo social vitorioso, que acima de tudo
pensa em defender-se e estabilizar sua posição. Esta é a vontade da vida que quer
evoluir; mas os
governantes, em vista do estado de coisas, tem que pensar primeiro em sua defesa, mesmo
porque, se eles valem, essa é a necessidade mais urgente, para que possam ficar no poder e
desempenhar assim sua função de chefes.
Ao povo agrada o belo sonho utilitário do ser servido gratuitamente pelos dirigentes. Mas, em sua
ingenuidade, não sabe que a vida nada oferece de graça. Ignora que seu mundo é o da
força e que
o povo não será servido enquanto não tiver aprendido a ser uma força e
representar um valor.
Quem nada vale, nada obtém da vida. Os governantes levarão em conta o povo, quando este
souber fazer-se valer pela inteligência, consciência de si mesmo e vontade, quando representar
algo no destino coletivo, quando souber até ser temível e impor-se aos chefes, se
necessário. Mas,
nos férreos equilíbrios que balanceiam os valores da vida, que pode pretender hoje uma massa
amorfa, instintiva, inconsciente, se não for guiada e explorada por quem é mais forte
biologicamente, mais astuto, mais dinâmico? Que pode pretender um rebanho de ovelhas, se não a
erva dos campos e ser tosquiado? E que sabe fazer esse rebanho, quando se revolta, senão passar
das mãos de um patrão para as de outro? Como pode acreditar-se que o consigam aguentar-se as
posições da vida, se, atrás delas, não existem valores reais?
É inútil procurar responsáveis por tais estados de coisas e condená-los. A
culpa não é de
indivíduos, mas do grau de evolução dominante. É por isso um nível
geral, uma corrente seguida
por todos. Inútil condenar, porque todos sofrem mais ou menos as conseqüências de seu
estado
atual e assim por si mesmos se castigam. A tudo isso correspondem os resultados obtidos até hoje.
O dano está em proporção com a ignorância da qual é
conseqüência. Todos conhecem os belos
resultados dessa psicologia dominante. Não parecem o resultado de um estado de barbárie,
representando um destino de condenação? Por isso, é preciso dar razão a
Maquiavel.
Continuando por esse caminho, aonde iremos parar? Pois, se procuramos sair para salvar-nos,
gritam que é utopia. Mas, se é verdade que apenas nela está a salvação,
deverá a utopia amanhã,
após duríssimas provas, mas necessárias para aprender, tornar-se realidade, se o mundo
não
quiser suicidar-se. Eis porque temos que crer na vida duma nova civilização.
Dir-se-á: Mas o mundo foi sempre assim. Não. O progresso é um fato real. O homem
pré-histórico, podemos bem imaginá-lo, foi na época o modelo da raça
humana. Se
estabelecermos uma proporção, podemos imaginar o homem futuro. Então diremos: o homem
pré-histórico está para o homem de hoje como o homem de hoje está para X.
será fácil, dada a
relação, achar o valor da incógnita. Não é afirmação
gratuita dizer que a forma da seleção animal
terá que mudar no porvir. Sem dúvida, até hoje esteve no sentido de produzir o tipo
mais
prepotente, porque isto era indispensável para conquistar o domínio do planeta, mormente
sobre
as outras espécies. Mas, conquistado esse domínio, surge na terra outro tipo de vida, a vida
social
do homem coletivo, pela qual as qualidades de força, ferocidade e agressividade, outrora
preciosas, se tornam cada dia mais contraproducentes, pois desagregam a primeira qualidade de
uma comunidade, que deverá ser a organicidade. É natural então que a vida, que
é tão sábia,
renove os seus métodos de construção do tipo biológico melhor, através
da seleção, e lance então
uma nova técnica. O melhor que a vida quererá então produzir será outro tipo
biológico, em que
predominará a inteligência, pois num mundo mais evoluído vencer-se-á mais com a
inteligência do
que com a força. Hoje já se guerreia mais com a ciência que com a ferocidade. Já
começa a
desenvolver-se mais essa inteligência, e quanto mais se desenvolver, mais se compreenderá a
vantagem utilitária de todos e de cada um, de ser honestos fraternalmente, como o quer o
Evangelho, pois numa humanidade orgânica, esta será a linha de maior rendimento. Por isso,
Maquiavel ficará com suas doutrinas, atrasado no tempo, como o é hoje o homem das cavernas.
Mas as gerações futuras compreenderão melhor estas coisas, pois para elas,
principalmente, foram
escritos estes livros.
Aos que gritam que é utopia, respondemos que muitas vezes os jovens têm feito o que os velhos
julgavam impossível, inoportuno, desaconselhável; respondemos que o mundo, a despeito de
todas
as resistências, caminhou sempre, e que freqüentemente a utopia de hoje é a realidade de
amanhã.
A intuição dá-nos a sensação viva imediata da presença de uma
inteligência e vontade na história,
como momento da imanência de Deus no mundo. Aos historiadores presos apenas ao fato
exterior, aos filósofos hiper-críticos e céticos, capazes de destruir até seu
pensamento à força de
discussões, controles e análises, opomos a nossa percepção da realidade do
mundo interior do
espírito, presente em toda a parte, em todo fenômeno, mesmo no histórico e social.
Procuramos
fazer com que o leitor sentisse essa realidade na única forma possível, ou seja,
através da lógica e
da demonstração racional. Se tivéssemos que dar um subtítulo ao volume "O
Príncipe", de
Maquiavel, poderíamos dizer: "Estudo da natureza animal do homem". Seja este chefe ou
súdito,
revela-se sempre o mesmo nos conselhos desse autor. Sendo ainda dominante esse tipo biológico,
é bom conhecê-lo e estudá-lo, tanto quanto é instrutivo observar as feras no
jardins zoológicos,
para conhecer-lhes instintos e hábitos. Continua Maquiavel: "Devendo dominar os soldados,
não
importa ser chamado cruel, pois sem esse nome jamais se manteve unido um exército. Foi por sua
extrema bondade que se rebelaram os exércitos de Cipião na Espanha. Nasceu isso de sua
demasiada bondade. Por isso Fábio Máximo pôde chamá-lo, no Senado, corruptor da
milícia
romana".
Inútil, pois, iludir-se. O homem emerge da animalidade. Os primeiros graus do poder são dados
pela força, pela imposição, pela ferocidade. Os chefes de governo do tipo descrito por
Maquiavel
descendem de domadores de feras. A posição que tem hoje o homem, a de rei do planeta, foi
desesperadamente conquistada pela luta por todos os meios e vencida contra todas as feras rivais.
Foi através desse esforço bestial, horrendo para o homem civilizado, e no entanto feito de
coragem
desesperada, sob pena de extinção da raça em caso de derrota, esforço
diabólico, e no entanto
cheio de certa potência viril, do deserdado que sozinho desafia os elementos e as feras inimigas e
as submete; foi através dessa tremenda fadiga que o decaído enfrentou o caos, para
levantá-lo ao
primeiro passo em direção ao primitivo estado de ordem. Os primeiros degraus da escala
estão
imersos em lama e sangue. Mas, ainda que esmagando, triturando e reduzindo os rebeldes à
escravidão, conseguiu assim o homem, com mão de ferro, construir certa ordem, primeiro passo
na reorganização do caos para uma gradual organização do universo, fruto do
esforço imenso de
todos os seres, por intermédio do qual, reconstruído o edifício que eles mesmos
fizeram ruir,
encontrarão Deus.
No plano de vida que Maquiavel descreve, o que ele indica é a lei, a regra, a justiça. Em seu
orgulho, o homem se auto-declara ser superior, última finalidade da criação, a mais
bela flor da
vida no planeta. Mas devia tudo isso ao ter sabido triunfar a despeito de tudo e de todos,
exterminando os inimigos sem bondade nem piedade. Os idílicos pensadores do ideal afirmaram
que Deus criara todas as coisas apenas para prazer do homem. Na realidade, o homem só
conseguiu possuir aquilo que pôde arrancar à vontade inimiga; usando todos os meios. A vida
só
se inclina e oferece regalias diante do homem forte, violento, vencedor. Nada é gratuito diante
dela. Nenhum escrúpulo ou piedade a impediu de condenar à extinção raças
mais fracas. E tê-lo-ia
também feito com o homem, fora ele menos forte e violento.
A bondade e o amor vêm depois. O próprio Deus de Moisés teve que prescindir delas dada
a
imadureza dos tempos e a involução do povo que então O adorava. Tudo isso, todavia,
mostra-nos as verdadeiras origens da ordem e do direito e explica-nos como, no plano por ele
observado, Maquiavel tenha tido razão. Pode representar-se a evolução como um grande
edifício
que se vá elevando da terra para o céu. Seus primeiros pavimentos são grandes massas
grosseiras
de pedra, plantadas na rocha dura, por homens fortíssimos, mas ignorantes, açoitados
até a dor da
própria carne pelo terror de morrer e o anseio de viver. Em seguida, porém, através
desse esforço,
a inteligência se abre, e o edifício toma formas mais regulares, torna-se o trabalho mais
racional,
alcançando-se maiores resultados com esforço cada vez menor. Assim, o servir-se da
inteligência
e da ordem, torna-se cada vez mais vantajoso. Então começando o homem a constatar seu
rendimento, é levado sempre a mais a aproveitá-lo, devido aos mesmos princípios que
regem a
vida, a qual é sempre utilitária. Assim o operário construtor torna-se cada vez menos
animal e mais
homem. Desenvolve-se nele a mente, que lhe permite compreender a utilidade da disciplina, de
dilatar seu egoísmo, até abarcar toda a humanidade, e entender a utilidade de aprender a
viver
colaborando, em vez de lutar; enquadrando-se tudo isso num grande organismo coletivo, em que o
"o ama o próximo como a ti mesmo" não significa mais sacrifício de
mártir entre as feras, como
acontece aos pioneiros do Evangelho num mundo de involuídos, mas torna-se uma posição
natural
de maior vantagem para todos.
Assim o edifício cresce, de pavimento em pavimento, tornando-se sempre mais belo. Sua
construção é feita, de andar em andar, cada vez com menos esforço e maior
alegria, pois satisfaz
ao instinto de criar e ao anseio de subida, e isto com um trabalho cada vez menos pesado. Isto
porque ele é confiado cada vez mais a inteligência, que se está tornando paulatinamente
senhora
das forças da vida. E elas obedecem ao ser consciente. E assim, transformando-se o mundo, por
obra do homem, do caos à ordem, ele se lhe revela sempre menos inimigo e rebelde e sempre mais
amigo e obediente. Noutros termos, pouco a pouco transforma-se a terra de inferno em paraíso, e
Satã desaparece lentamente do mundo, isto é, a revolta, o ódio, o tormento, e cada vez
mais
aparece Deus, ou seja, a harmonia, o amor, a felicidade. Assim, eleva-se o edifício, e os gritos dos
condenados, que tiveram de construí-lo nos primeiros andares, transformam-se no canto
amargurado das almas que se purificam nos planos superiores, até se tornarem um hino de alegria e
triunfo nos planos altíssimos que no céu infinito se aproximam de Deus.
Só assim é compreensível Maquiavel, quando enquadrado, com seus homens e os seus
tempos, no
devido plano da escala biológica. É lógico, pois, que naqueles planos, a bondade fosse
considerada defeito, sobretudo para os detentores do poder. É lógico que, para manter unidos
homens ferozes, num exército ou numa nação, indispensável, fosse a ferocidade;
é lógico que tinha
de ser esta a virtude do condutor, e que o homem bom, que a não possuísse, acabasse por ser
um
corruptor de milícias ou um destruidor de nações. Jamais um cordeiro poderá
chefiar lobos. A
política e o governo dos povos e exércitos será, pois o último dos setores
sociais em que poderá
penetrar a doutrina de Cristo, que hoje representa uma revolução biológica, porquanto
significa a
passagem a um plano de vida mais alto.
Deste exame, podemos compreender que dificuldade devem encontrar o tipo biológico do santo e
os princípios de bondade do Evangelho, para que possam passar da fase de casos esporádicos e
pregação teórica, à fase de realização prática,
enxertando-se na vida humana como forma vivida.
Tudo isso deveria aplicar-se ao tipo biológico normal. Mas quanto ainda está distante,
mostra-nos
Maquiavel, descrevendo-o, quando acrescenta: "Abstenha-se o chefe dos bens alheios, pois os
homens esquecem mais depressa a morte do pai que a perda de um patrimônio". Até agora, em
suas leis, sobretudo no campo econômico, o Estado parte do pressuposto da ma fé do
cidadão, e
para ser obedecido, só conta com sanções penais. Que triste espetáculo, este
pobre ser humano,
esteja ele na privilegiada posição de mando ou na de deserdado dependente, igualmente
involuído
e envolvido na mesma luta! Pobre ser, vindo ao mundo sem o saber, só para devorar ou ser
devorado, para depois reduzir-se a pó e assim acabar, acreditando ficar
aniquilado!
Continua Maquiavel: "O chefe deve manter fidelidade enquanto lhe for útil, e deixar de
observá-la
quando terminadas as razões que o fizeram prometer. Não seria necessário isso se os
homens
fossem bons. Mas, sendo maus, da mesma forma que eles não manteriam fidelidade, assim não
deve o chefe mantê-la com eles". Assim Maquiavel aconselha a astúcia, pela qual
saiba o chefe,
com razões legítimas, colorir a não observância dos pactos. Eis como se
comporta o involuído.
Sua miopia psíquica ou imbecilidade fá-lo acreditar que a traição, como a
ferocidade sejam forças.
Em outros termos, em sua ignorância das leis da vida, é levado a procurar o poder preferindo
descer aos planos biológicos inferiores (isto é, ao inferno), em vez de subir aos planos
superiores
(ou seja, o paraíso). Quanto seja tola essa crença, deduzimos do fato de que, mesmo aplicando
esses critérios a seu próprio comportamento, continuaram chover sempre derrotas e desastres
sobre o gênero humano. Isso prova que esse sistema não resolve absolutamente nada. O poder
está no alto e não em baixo, e aí apenas ilusão e dor. Por isso, encontra-se
hoje a humanidade
numa encruzilhada: ou ela compreende que o problema da convivência, na forma menos dolorosa
possível, só pode ser resolvido aplicando o método do Evangelho, por mais que
pareça utopia; ou
então continua indefinidamente o atual estado infernal. Mas, não há dúvida, a
solução é uma só:
tanto durará e martelará esse tormento, que há de o homem um dia compreender e
decidir-se a
civilizar-se. Não há outra hipótese. A presença destes sofrimentos é
justamente justificada por isso,
e tem por fim levar o homem a achar o caminho para sair deles, evoluindo para um plano de vida
mais elevado.
Em vista desse estado de coisas podemos compreender qual seja a origem do poder e da riqueza.
Em si mesmo, o poder pode representar uma função grande, instrumento de imenso
benefício, e a
riqueza se for bem usada, maravilhoso processo de criação. Mas, o que são ambas,
verificamo-lo
ao ver que os santos e os melhores homens fogem delas como de uma peste. É o estado do
involuído que, usando tudo mal, vai até infectar tudo e tudo tornando pestífero. Dados
esses
métodos, como pode um homem honesto acreditar na riqueza ou no poder? E, no entanto, que
instrumentos de bem e da grandeza poderão tornar-se esses meios nas mãos de um homem
consciente e evoluído! Continua Maquiavel: "Muitas vezes para manter o Estado, é mister
agir
contra a fé, a caridade, a humanidade, a religião. Um príncipe deve parecer a quem o
vê e ouve,
todo piedade, todo fidelidade, todo integridade, todo religião". Ora acrescentamos: isto, que
aos
primitivos pode parecer suprema argúcia, mostra-se suprema ingenuidade ao homem mais
evoluído. Isto porque, esse método praticado há séculos, é uma escola, e
talvez a única coisa em
que a maioria dos governantes esteve de acordo, aplicando-a com aceitação de todos. Aconteceu
assim que os povos aprenderam e bem sabem tudo isso, tanto que hoje é coisa óbvia e
pressuposta, a má fé dos governantes como a dos governados, tendo-se todos tornado profundos
conhecedores e hábeis entendidos nos defeitos e culpas uns dos outros. Então, que defesa
representa o método de Maquiavel, se ele é o ponto de partida de todo o julgamento sobre o
próximo? Não obstante o constante renascer dessa planta, que é o simplório, no
entanto, pela
seleção destrutiva que está operando intensamente desde séculos mediante uma
desapiedada caça
a tão saboreado petisco, o simplório se está tornando cada vez mais raro. E tudo isso
é um
progresso providencial, pois não se achando mais o mercado dos ingênuos, bons para serem
logrados, - e justamente porque foram instruídos por essa escola, eles não se deixam mais
enganar
os ludibriadores mesmo vêem cair as armas de suas mãos, e por fim esgotado o programa
de
todas as astúcias possíveis, devem abandonar tal método. No fim, por
eliminação, se quiser obter
crédito, dado o crescimento progressivo do controle recíproco só restará aos
enganadores, se não
quiserem ficar isolados, desprezados como maus, usar o sistema da retidão sem enganos. Então
o
progresso poderá caminhar, sem ter jamais de recorrer a qualidade de bondade e boa vontade,
que é utopia esperar do homem de hoje.
Nada se perde em olhar com coragem a realidade biológica tal qual ela é verdadeiramente.
Maquiavel tem razão, mas não podemos deter-nos aí, só com esse trecho limitado
do terreno
explorado por ele. Aquele mundo, observado assim isoladamente, e aceito como verdade única, e
não como fase de evolução, não é suficiente para, sozinho fazer-nos
compreender a sabedoria da
vida, que é sábia mesmo nas suas fases involuídas, e tende para o que é melhor,
utilizando,
naturalmente, os meios do plano em que opera no momento. Maquiavel escandaliza-nos, porque
aceita e sustenta o involuído, e nada nos explica. Mas a vida não nos escandaliza nada,
porque
conhecemos seus métodos e fins e sabemos onde tudo irá acabar. Temos de admitir que, num
plano primitivo e feroz, a luta pela vida não pode assumir outra forma, em vista de ser o homem o
que é, forma que mais tarde, ao evolver, parece tola e contraproducente. A vida quer viver, e nos
planos inferiores só pode viver assim. E nesse nível, isso é justo e equilibrado. Mas
logo que se
suba, como começa a fazê-lo o homem de hoje, percebe-se a injustiça daquilo e sente-se
o
escândalo, porque os pontos de referência foram colocados mais no alto. Para o animal, que
ainda
é amoral, sua lei de bicho é lei justa. É preciso olhar tudo isso de frente,
corajosamente, como faz
Maquiavel, mas do ponto mais alto, abarcando horizontes mais vastos, pois só assim se pode
compreender tudo e permanecer-se orientado. E então evitaremos protestos inúteis de pessoas,
ofendidas pela nudez da crua verdade e, ao contrário, admiraremos a sabedoria da vida, isto
é, do
pensamento de Deus, que de tal estrumeira sabe tirar a flor de amanhã, do mal o bem, e da
ferocidade, a ascensão.
Isto porque o animal também ascende. E isto ocorre por meio das forças disponíveis em
ação em
seu plano de vida, sem necessidade do concurso de utópicos sentimentos de bondade e
altruísmo,
que é inútil pedir e ingênuo esperar naquele nível. Mais de que elemento de
transformações,
invocado em vão, são eles, pelo contrário, o ponto de chegada de novo trecho
percorrido no
caminho evolutivo, são o resultado do embate das forças pertencentes ao plano
inferior.
Tudo é lógico, claro, em seu lugar justo. A luta é um exercício com finalidade
seletiva; o esforço
para evolver é o pagamento devido pelo homem, dívida que ele contraiu com a queda (veja o
volume "Deus e Universo"), que é o preço de seu resgate. A dor é uma escola
salutar para
aprender a eliminar o erro. E quanto mais se sofre, mais se aprende; e quanto mais erros se
eliminam, mais a dor diminui. Ao invés de colher escândalo e pessimismo da leitura de
Maquiavel
nasce aqui um hino a evolução e à sabedoria da vida. O homem não está
ainda maduro para
conceber e exercitar o poder como função social, para o bem coletivo. Governantes e
governados
têm todos conceitos diferentes. Exercita o poder quem venceu na luta e o exerce para sua
vantagem, dominando o povo. Só essa vantagem egoística e imediata explica a luta de tantos
para
atingir os postos de mando. De fato, o poder não gera colaboradores, como deveria, e como
aconteceria num plano superior, mas inimigos e rivais; requer força, e é o prêmio
egoísta para o
mais forte e não um serviço reconhecido pelos governados que o aceitam com gratidão.
Eis então que Maquiavel se ocupa, em primeiro lugar, em ensinar aos governantes como
defender-se para permanecerem no poder. Explica-nos ele que se evitam as conjurações quando
as maiorias não o odeiam. Então, diz-nos ele, os rebeldes não ousam e temem, porque
não têm o
consentimento da maioria. O conjurado tem medo do castigo. O chefe tem a majestade do reino, a
lei, o poder em ação e, se também tiver o favor popular, nada tem a temer. Assim,
Maquiavel só
coloca objetivamente na balança do poder os elementos que ele julga positivos, acreditando que
os fatores morais e espirituais não o sejam, porque são imponderáveis. E no entanto,
os
governantes quando aqueles fatores lhes podiam servir como reforço, em virtude do
domínio que
exercem esses elementos na psicologia da massa apressam-se a declarar-se investidos em seu
poder por direito divino, e fazer-se aprovar, sancionar e abençoar pela autoridades religiosas,
declarando-se representantes de Deus. Inúteis mantos, que as revoluções, quando
merecidas em
virtude dos abusos cometidos mesmo à sombra de Deus, e os tempos estavam maduros, rasgaram
e destruíram.
Pode a vida parecer desapiedada e feroz, mas como pode deixar-se de admirar essa sua absoluta,
apesar de cruel, sinceridade, que põe a nu os valores reais, essa sua honestidade franca, que
desmantela todas as hipocrisias e tira do ninho todos os parasitas, dos recantos mortos em que não
é lícito ninguém esconder-se para gozar a vida, querendo escapar ao
indispensável esforço de
todos, o de evoluir? Quem é verdadeiramente honesto não pode temer essas
intervenções
purificadoras, pois que, que é puro, não pode sofrer depurações. As tempestades
destruidoras,
que a sabedoria da vida de vez em quando desencadeia no mundo, são obra que destrói o
corrompido e cura. A dor é dura, mas lava e purifica, e a vida sai das provas rejuvenescida,
reforçada, muito mais apta assim a dar um novo salto para a frente, como não lhe não
era possível
no estado anterior, carregado de incrustações e abusos.
Procuramos neste capítulo, colocar sob os olhos do leitor esse dinamismo em ação, em
que se
debatem as forças da vida, sempre mais construtivamente emergindo do caos. Procuramos
mostrar-lhe, em contraposição, a figura do velho tipo do homem de poder, com o novo, da nova
civilização, situado num plano biologicamente mais elevado. O primeiro, odiado, invejado,
pobre
ser, não colaborador, mas escravo da opinião pública, também ela imersa na
mesma psicologia de
luta. Triste domínio o do chefe num tal mundo, em que é necessária a força e a
astúcia
maquiavélicas para reinar, e isso por culpa de todos. É bem triste ser escravo de massas
animadas
por essa psicologia de exploração egoística, ter de considerá-las como um
inimigo de quem se é
obrigado a defender-se, porque estão prontas a saltar em cima ao primeiro sinal de fraqueza. A
evolução abre a todos, governantes e governados, novos horizontes, prepara formas de vida
mais
altas, que serão compreendidas, quando o homem for mais inteligente, e então serão
aceitas,
porque mais vantajosas para todos. O problema é de chegar a compreender essa vantagem,
porque, uma vez ela compreendida, ninguém mais pode recusar-se a seguir um caminho melhor,
por um princípio utilitário que todos compreendem. O mundo futuro olhará com horror e
compaixão os atuais métodos de governar o mundo. Mas, para melhorar, é mister
maturidade, ao
menos nas maiorias humanas, não só nos chefes, mas também nos povos, porque hoje
chefes e
povos se impõem o mesmo comportamento. E este é dado pelo atual plano da vida humana. Do
novo tipo de homem de governo, já tratamos no capítulo O Chefe, de A Grande
Síntese. Mas, se o
presente pode parecer triste, as forças irrefreáveis do progresso trabalham incessantemente,
obrigando o homem a superá-lo. Tudo isso está no pensamento e na vontade da história,
a qual, já
que evolver é lei da vida, imporá que tudo isto se realize, com a nova
civilização do terceiro
milênio.
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