A DOR
Pedro Orlando Ribeiro
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Mensagem Original
de Quillfeldt
Estou ainda digerindo os textos sobre cosmogênese, até porque o tempo para isso se faz
curto. De qualquer jeito, sinto cada vez mais uma espécie de "crescimento da consciência", principalmente
ao tentar internalizar os conceitos de A Grande Síntese. Não só expansão de consciência, mas um
atordoamento que parece acompanhá-la quando o "crescimento" é abrupto e grande. Tipo dor de lombar e de
cabeça no adolescente que tem "estirão". Em outras palavras, é como se tivesse ficado muito tempo no mar e
voltasse então à terra firme ( ou vice-versa ). Ainda assim, ficam algumas dúvidas sobre partes do livro
em questão. Por exemplo, no cap. 86, p. 327 da minha edição, é dito: A aspiração à alegria é justa e a
felicidade pode existir, só é preciso dedicar-se ao trabalho de conquistá-la. Logo após, na p. 328 desse
mesmo cap. 86, é dito: Felizes os que aí sofrem, que têm fome de bondade e de justiça, porque subirão,
reencontrando mais no alto o seu equilíbrio. Quem sofre, alegre-se, porque será libertado; compadeça de
quem goza, porque esse voltará muitas vezes ao ciclo das misérias humanas. E prossegue: Repitamos com o
Evangelho: "Felizes os perseguidos! Ai de vós que sois aplaudidos pelos homens! Felizes os que choram,
porque serão consolados! Ai de vós que agora rides, um dia lamentareis e chorareis!"
Fiquei aqui pensando com meus botões, como dizem os portugueses, que se esses conceitos
não são contraditórios, são pelo menos estranhos. Pela coesão de conteúdo e pela síntese exposta no texto,
podemos pressupor que não haja contradição. Pois bem, em assim não havendo, os dois conceitos são
estranhos. Como? Ora, lendo-os percebe-se que os dois conceitos são, digamos, sintonizados, harmônicos, ou
melhor, complementares. Assim, a busca da alegria é justa, como diz na primeira frase, e essa se traduz
como dor e sofrimento, como diz a segunda frase. A alegria, portanto, não passa pelos gozos materiais e
caducos, o que corrobora o texto como um todo, mas também não passa pela satisfação da elevação espiritual
ou da virtude automática. A idéia que dá é que a felicidade passa exclusivamente pela DOR. Que a alegria é
a dor e a dor é a alegria.
Só que, mesmo que a dor tenha função biológica de crescimento, me parece patológico procurar a dor como
forma de garantir a alegria espiritual e a evolução psíquica. Se assim fosse, os autoflagelos teriam
efetividade para esgotar o impulso vital e desenvolver o psiquismo. A dor, minha opinião pessoal, deveria
ser um balizador para sinalizar o retorno à estrada da evolução correta e não a própria estrada de elevação
espiritual.
Tentei resolver esse impasse me lembrando que o autor explica que o trabalho e o amor
são também formas de elevação, e que a dor, entre outras coisas, é uma conseqüência de nossos atos. Mas aí
percebi que se tivermos depurado nosso carma, de tal modo que sejamos super-homens, e que as conseqüências
de nossos pensamentos, emoções e atos não signifiquem dor, o que fará impulsionar o desenvolvimento
espiritual? A dor, para os suprer-homens, terá outras formas que desconhecemos ? |
Resposta
de Pedo Orlando Ribeiro
A Grande Síntese, principalmente na primeira leitura, causa-nos um atordoamento
devido a abordagem heterodoxa de um tema, fugindo dos padrões dogmáticos da filosofia tradicional que se
fundamentam na síntese sensória. O olhar Ubaldiano superou a limitação da percepção ordinária ao adotar o
método intuitivo, fruto de sua evolução pessoal. Esta visão situada fora do plano superficial da
consciência racional produziu um vasto panorama conceitual que possibilitou a compreensão de que o Universo
é uno e regido por uma mesma Lei, não importando se o fenômeno analisado é material ou abstrato. Nós,
prisioneiros consciência racional, estamos habituados a viver dentro de um labirinto de conceitos
aparentemente desconexos e independentes. Em conseqüência, ao ler esta obra maravilhosa, tentamos
inconscientemente enquadrá-la no nosso código conceitual, elaborado sob a égide dos nossos limitados cinco
sentidos. Daí se conclui que a estranheza que a obra nos causa vem da sua forma diferente e revolucionária
de ver o mundo e a vida, não mais seqüencialmente, mas, de modo holístico e instantâneo contrariamente a
nossa habitual visão fragmentária do Universo.
Não vejo contradição nas duas passagens citadas por você.Quando Ubaldi afirma que A
aspiração à alegria é justa e a felicidade pode existir, só é preciso dedicar-se ao trabalho de conquistá-
la.... ele se fundamentou no parágrafo anterior: Minha ética racional e científica traçou as grandes
rotas da vida individual, e agora traçará as do campo social. Não impõe. Não obriga. É racional. Ou seja,
presume estar falando a seres racionais, como pretendem ser os homens modernos. Não invoca os raios de
Júpiter nem as iras de um Deus vingativo, simplesmente indica as reações naturais e inevitáveis de uma
Lei íntima, inviolável, perfeita, supremamente justa. Assim, pela premissa lógica de que a Lei é
supremamente justa conclui-se que a alegria e a felicidade são alcançáveis mesmo neste nosso mundo material
desde que estejamos sem débitos perante a Lei. Nada é impossível, desde que estejamos acordes com a Lei. A
afirmação de Cristo, depois de ter curado um paralítico: “Vai, não peques mais”, aponta para um erro
pretérito como causa da doença.
Mas, é preciso aqui, colocar uma ressalva, a felicidade e alegria neste mundo material
são limitadas pelo determinismo próprio da matéria e, portanto, são relativas. As barreiras do espaço e do
tempo constrangem a expansão do espírito, daí a segunda afirmação de Ubaldi: Felizes os que aí sofrem,
que têm fome de bondade e de justiça, porque subirão, reencontrando mais no alto o seu equilíbrio. Quem
sofre, alegre-se, porque será libertado; compadeça de quem goza, porque esse voltará muitas vezes ao ciclo
das misérias humanas. E prossegue: Repitamos com o Evangelho: "Felizes os perseguidos! Ai de vós que
sois aplaudidos pelos homens! Felizes os que choram, porque serão consolados! Ai de vós que agora rides, um
dia lamentareis e chorareis!" Os que sofrem estão se livrando paulatinamente do jugo material; os que
gozam, mesmo que sem pecados, tornam-se acomodatícios com os limites sensórios da vida material e, em
conseqüência, se lamentarão, a posteriori, o tempo perdido.
Sua colocação: “A dor, minha opinião pessoal, deveria ser um balizador para sinalizar
o retorno à estrada da evolução correta e não a própria estrada de elevação espiritual”, pode ser
encarada como uma verdade apenas relativa. É verdade que a dor, como reação, obriga o pecador a retornar a
via correta, mas a dor pode ser também instrumento de evolução. Ela pode surgir da claustrofobia do
espírito, angustiado pela estreiteza do ambiente material e não somente pela ofensa à Lei.
Repare no seguinte trecho do livro Evolução e Evangelho: Quanto mais baixo se desce,
tanto mais dor se encontra. Ela aperta o homem em sua compressão. A dor queima, sufoca, comprime a vida que
não quer morrer, e que portanto reage. Eis então que a evolução, quando não funciona o instinto da subida,
firma-se nessas reações para ascender. Quando não é suficiente a atração para o alto, entra em ação a
repulsão contra o baixo. Desta maneira vê-se que a dor pode também originar da insuprimível
insatisfação do ser humano.
Realmente, é anti-natural procurar a dor como atalho para subir, como você afirmou. A
este propósito Ubaldi comenta: Certas concepções absolutistas de um ascetismo não iluminado podem, em
vez de ajudar, causar dano ao processo evolutivo. Este representa uma maturação de todo o ser, por isto
também do corpo que não deve ser inutilmente perseguido e esmagado como um inimigo, mas tratado como um
aliado colaborador na árdua obra construtiva. Os dois pólos são comunicantes e cada impulso desconsiderado
pode gerar reações prejudiciais. Nenhum dos dois extremos pode trabalhar sozinho, mas sempre em função do
outro. Trata-se de uma sábia distribuição de trabalho. É necessário haver proporção e equilíbrio a cada
passo, porque o desequilíbrio, que o transformismo implica, deve ser enquadrado no equilíbrio geral do
sistema. É necessário saber dosar o esforço evolutivo em relação aos recursos dos quais a vida, no caso
particular, dispõe. Que a ascensão seja uma metódica e consciente conquista e não uma louca aventura.
Evoluir significa revolucionar os equilíbrios da vida, o que, se mal feito, pode resultar, em vez de
progresso, em retrocesso. Para se fixar na alma é necessário haver mais perseverança e disciplina do que
ímpetos precipitados e desordenados. É preciso ter em conta que a evolução espiritual não é somente um fato
moral, mas que ele penetra todo o organismo, também o físico, com o qual precisa fazer as contas, e que o
fenômeno se desenvolve entre duas biologias. (P. Ubaldi - Problemas do Futuro)
Em outro livro ele vai mais além: É verdade que a dor é a grande mestra da vida, mas
não basta sofrer — é preciso sofrer utilmente. A resignação estupidamente passiva, o desperdício das
próprias energias na suportação paciente de contrariedades é inútil porque moralmente improdutiva. Não é
virtude, mas culpa. Não se tem o direito de se consumir para se suportar um choque, nem se sacrificar um
nobre trabalho para se renunciar ao necessário. A vida deseja rendimento e não sufocação das qualidades. A
dor deve ser escola e instrumento de ascensão e não suicídio. (P. Ubaldi - História de um Homem)
abraços,
Pedro Orlando
Ribeiro
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