Prezada amiga:
Muitas vezes sentimos embaraçados quando defrontamos com
o tema Livre Arbítrio e Determinismo. Mas, Ubaldi abordou este assunto em vários livros da sua extensa
obra, esclarecendo e removendo todas as dúvidas e objeções que por ventura possam ser levantadas por
pessoas esclarecidas como você.
O conceito básico do pensamento Ubaldiano é a Teoria da Queda desenvolvida nos livros Deus e Universo, O Sistema e
Queda e Salvação . Fundamentados nesta teoria podemos compreender qualquer fenômeno que acontece
no nosso Universo. Assim o tema Livre Arbítrio/Determinismo pode ser examinado sob o foco desta teoria.
Segundo esta teoria, os espíritos foram criados
perfeitos e livres dentro de um organismo hierarquizado constituindo um Todo harmônico, sendo Deus o
vértice desta hierarquia. Estes seres eram perfeitos porque foram criados da substância de Deus, cujo
atributo principal é a perfeição. Seria um absurdo admitir que a imperfeição é filha da perfeição. O que
é absolutamente perfeito por natureza não pode gerar o imperfeito já que não tem em si mesmo a semente da
imperfeição. Parte das criaturas que viviam num Sistema hierarquizado quis ser igual ao Deus criador,
advindo daí a queda. Surgiu assim um Anti-Sistema imperfeito contrapondo ao Sistema
perfeito.
Aqui, deparamos com uma possível contradição: poderá
existir liberdade dentro do Sistema cuja característica principal é a PERFEIÇÃO? Explicamos: o que
é perfeito por natureza não pode admitir a livre escolha, se assim fosse não seria perfeito. Ubaldi
esclarece bem este ponto: "Compreende-se que a perfeição não pode deixar de ser determinística, no
sentido de que só o melhor absoluto pode ocorrer. Tal é o sistema incorrupto dos espíritos que não
erraram e não caíram. Pode, pois, deste ponto de vista, parecer mesmo que o arbítrio humano, além de ser
um resíduo da liberdade originária, seja um produto da queda, visto que a escolha significa uma incerteza
e uma procura do melhor absoluto, que se perdeu e ainda não foi reconquistado. (P. Ubaldi - Deus e
Universo)"
Após afirmar que o arbítrio das criaturas que cairam no
Anti-Sistema significa uma incerteza, Ubaldi sinaliza que a evolução nos levará - após a reconquista da
perfeição original, - a uma situação determinística. Mas estranhamente fala também em liberdade
originária. Como conciliar, então, determinismo com liberdade no seio de um Sistema perfeito? Como é
exercida a liberdade dentro de um sistema em que o melhor absoluto já está fixado na própria natureza do
Sistema?
Como vivemos no Anti-Sistema, isto é, num universo
imperfeito, somos incapazes de formular uma resposta direta para estas questões já que ignoramos o que
seja perfeição. Nossa mente só raciocina em função do contrastes entre dois termos de uma proposição.
(Dialética Hegeliana). Como não conhecemos o segundo termo, isto é, o perfeito sistema absoluto, fica
impossível respondê-las usando o instrumento da razão.
Existe, no entanto, um método, que embora não alcance
total compreensão do problema, nos fornece uma aproximação, ainda que infinitamente distante da perfeição
absoluta. Poderemos chegar a um entendimento relativo e progressivo se considerarmos que vivemos em um
mundo onde tudo está em transformação, num eterno vir-a-ser. Nada permanece estático, o transformismo
alcança todos os fenômenos, sejam eles materiais ou espirituais. Ontologicamente podemos dizer que o ser
não é uma entidade completa e acabada, e sim que é um processo em evolução.
Evolução! Eis a palavra chave que sinalizará
nosso caminho. Como tudo está evoluindo é possível encontrar no fio condutor do fenômeno evolutivo, as
leis e princípios que regulam este transformismo e, a partir daí, descobrir a tendência do fenômeno e
consequentemente seu telefinalismo.
Entretanto, precisamos compreender, antes de tudo, como
se situa o fenômeno da liberdade dentro do processo evolutivo. Sabemos através de Ubaldi que a meta
principal da evolução é a unificação em todos os campos. Essa unificação é regulada pela Lei das
Unidades Coletivas: "Cada individualidade é composta de individualidades menores, que são
agregados de individualidades ainda menores." O termo individualidade aqui deve ser entendido num
sentido mais amplo, abarcando tudo o que existe, seja material ou espiritual. A liberdade do indivíduo,
porém está limitada pela unidade maior: A liberdade está sempre enquadrada no determinismo da unidade
superior, e que é livre somente enquanto é elemento inferior componente de uma outra unidade superior
que, relativamente ao inferior é sempre determinista. Assim em toda UNIFICAÇÃO se verifica uma
reordenação determinista.(P. Ubaldi - Problemas do Futuro).
Como existem infinitos planos evolutivos, podemos assim
compreender que a liberdade relativa que o ser goza em cada nível evolutivo, progressivamente se
transformará em um determinismo absoluto. Mas, perguntamos, não seria admissível que a liberdade que se
perde a cada unificação não seja compensada, pela Lei do Equilíbrio, por outro tipo de liberdade? É
conceito amplamente aceito que toda unificação traz consigo uma multiplicação de potencialidades, isto é,
uma ampliação de poderes e do raio de ação da unidade maior: em um organismo o todo é maior que a soma
de seus componentes elementares. O indivíduo, embora indiretamente, se vê de posse de uma liberdade
maior do que a que possui isoladamente.
Como exemplo podemos comparar o grau de liberdade de
que dispõe um selvagem com a de um cidadão de uma sociedade tecnológica e culturalmente avançada. O
primeiro desfruta de sua liberdade conforme arbitra sua vontade individual, mas esta liberdade está
sujeita a limitações impostas pelo ambiente e pela sua força individual. Já o segundo embora limitado
pelas leis sociais vigentes no seu meio, possui através da união com outros indivíduos de uma liberdade e
uma potencialidade muito maiores que as que dispõe o primeiro. Como são infinitos os planos evolutivos,
esta liberdade progressivamente se dilatará de forma absoluta.
Assim a troca de uma liberdade-capricho por uma livre
adesão a disciplina do todo produz, paradoxalmente, uma ampliação da liberdade individual. A expressão
"livre adesão" é a chave para a criação de uma sociedade verdadeiramente orgânica e colaboracionista. A
História nos mostra de sobejo o fracasso dos impérios criados pela imposição da força.
Desta forma se levarmos ao limite este progressivo
enquadramento das unidades menores nas maiores, a tendência será, no final do ciclo evolutivo, o
surgimento de um organismo absolutamente perfeito, em que a caótica liberdade separatista do Anti-
Sistema se evoluirá para o determinismo do Sistema. Mas, em compensação, surgirá paulatinamente uma
"liberdade-obediência" cada vez mais ampla, fruto da ampliação das potencialidades de cada
individualidade ao se enquadrarem numa unidade superior.
No fundo, o fato pode ser explicado se
considerarmos os atributos que definem a individualidade no Sistema original: o egocentrismo e o amor. O
egocentrismo subtende os conceitos de liberdade e de separação. Já o amor representa a união, é a força
reequilibradora da unilateralidade do egocentrismo. A perfeição está, portanto, no equilíbrio entre
estas duas forças opostas e complementares. No Anti-Sistema surgido após a queda houve a exacerbação de
um dos atributos em prejuízo do outro, isto é, a preponderância do fator liberdade sobre o amor, advindo
daí a fragmentação da Unidade maior em suas unidades componentes menores.
Vemos, assim, que a perfeição é o equilíbrio entre
aspectos aparentemente contraditórios. Este equilíbrio foi rompido pela criatura usando a prerrogativa da
sua liberdade em prejuízo do amor que cimentava o Sistema. Mas como a criação original era equilibrada
por duas forças complementares o reequilíbrio tende a se restabelecer automaticamente (o que vem
acontecendo por ação da evolução). É fácil agora entender a diferença entre "liberdade-capricho" própria
do ser decaído e "liberdade-obediência" própria do Sistema perfeito. Em outras palavras: A "liberdade-
incerteza", efeito da ignorância da criatura decaída se transformará na "liberdade-certeza" atributo da
criatura perfeita. Desta forma podemos compreender o determinismo absoluto do Sistema como o exercício
pela criatura de uma liberdade sem margens de erros.
Compreendida a dicotomia existente entre Livre Arbítrio
e Determinismo fica mais fácil entender o caso particular de nossas vidas que também é um fenômeno em
evolução. Como um rio, somos livres para escolher o caminho que quisermos, mas estamos fechados nos
limites de suas margens, que nos constrangem a caminhar, sempre para o seu ponto final: o oceano. Assim
podemos apenas ziguezaguear de uma margem a outra ou tentar nadar contra a corrente que, no entanto, é
mais forte do que nós e inexoravelmente nos arrastará para o oceano da divindade. Desta forma fica
explicado a existência da premonição, das profecias pois estamos presos a um caminho evolutivo que leva
do Anti-Sistema ao Sistema. Já percorremos este caminho em descida durante queda dos espiritos na
matéria, agora estamos percorrendo-o em subida, pisando nos nossos próprio rastros.
Caso você queira se aprofundar nestes instigantes temas
de Livre Arbítrio e Determinismo recomendo a leitura do capítulo 11 (Livre Arbítrio e Determinismo) do
livro Problemas do Futuro.
abraços,
Pedro Orlando Ribeiro