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Determinismo e Livre Arbítrio

Pedro Orlando Ribeiro

Mensagem Original

    Caros amigos,

      "Gostaria muito de entender como se pode prever (em sonhos por exemplo) algo que ainda vai ocorrer, considerando-se que o acontecimento depende de uma escolha, que é livre. Isso aponta para um determinismo, que segundo Ubaldi, não existe no universo, onde impera o livre arbítrio do ser desde o primeiro momento de sua criação."

      "Haveria alguma ligação com a forma espiralada, cíclica do processo evolutivo?"

      "Como poderíamos plasmar um pensamento (Ramathis) que ainda não ocorreu nas vias conscientes, por não haver chegado o momento certo, pela falta de maturação dos fatos na matéria. Ocorreriam anteriormente, em outro plano? Estaria aí a origem de nossas escolhas?

Resposta

     Prezada amiga:

     Muitas vezes sentimos embaraçados quando defrontamos com o tema Livre Arbítrio e Determinismo. Mas, Ubaldi abordou este assunto em vários livros da sua extensa obra, esclarecendo e removendo todas as dúvidas e objeções que por ventura possam ser levantadas por pessoas esclarecidas como você.

     O conceito básico do pensamento Ubaldiano é a Teoria da Queda desenvolvida nos livros Deus e Universo, O Sistema e Queda e Salvação . Fundamentados nesta teoria podemos compreender qualquer fenômeno que acontece no nosso Universo. Assim o tema Livre Arbítrio/Determinismo pode ser examinado sob o foco desta teoria.

     Segundo esta teoria, os espíritos foram criados perfeitos e livres dentro de um organismo hierarquizado constituindo um Todo harmônico, sendo Deus o vértice desta hierarquia. Estes seres eram perfeitos porque foram criados da substância de Deus, cujo atributo principal é a perfeição. Seria um absurdo admitir que a imperfeição é filha da perfeição. O que é absolutamente perfeito por natureza não pode gerar o imperfeito já que não tem em si mesmo a semente da imperfeição. Parte das criaturas que viviam num Sistema hierarquizado quis ser igual ao Deus criador, advindo daí a queda. Surgiu assim um Anti-Sistema imperfeito contrapondo ao Sistema perfeito.

     Aqui, deparamos com uma possível contradição: poderá existir liberdade dentro do Sistema cuja característica principal é a PERFEIÇÃO? Explicamos: o que é perfeito por natureza não pode admitir a livre escolha, se assim fosse não seria perfeito. Ubaldi esclarece bem este ponto: "Compreende-se que a perfeição não pode deixar de ser determinística, no sentido de que só o melhor absoluto pode ocorrer. Tal é o sistema incorrupto dos espíritos que não erraram e não caíram. Pode, pois, deste ponto de vista, parecer mesmo que o arbítrio humano, além de ser um resíduo da liberdade originária, seja um produto da queda, visto que a escolha significa uma incerteza e uma procura do melhor absoluto, que se perdeu e ainda não foi reconquistado. (P. Ubaldi - Deus e Universo)"

     Após afirmar que o arbítrio das criaturas que cairam no Anti-Sistema significa uma incerteza, Ubaldi sinaliza que a evolução nos levará - após a reconquista da perfeição original, - a uma situação determinística. Mas estranhamente fala também em liberdade originária. Como conciliar, então, determinismo com liberdade no seio de um Sistema perfeito? Como é exercida a liberdade dentro de um sistema em que o melhor absoluto já está fixado na própria natureza do Sistema?

     Como vivemos no Anti-Sistema, isto é, num universo imperfeito, somos incapazes de formular uma resposta direta para estas questões já que ignoramos o que seja perfeição. Nossa mente só raciocina em função do contrastes entre dois termos de uma proposição. (Dialética Hegeliana). Como não conhecemos o segundo termo, isto é, o perfeito sistema absoluto, fica impossível respondê-las usando o instrumento da razão.

     Existe, no entanto, um método, que embora não alcance total compreensão do problema, nos fornece uma aproximação, ainda que infinitamente distante da perfeição absoluta. Poderemos chegar a um entendimento relativo e progressivo se considerarmos que vivemos em um mundo onde tudo está em transformação, num eterno vir-a-ser. Nada permanece estático, o transformismo alcança todos os fenômenos, sejam eles materiais ou espirituais. Ontologicamente podemos dizer que o ser não é uma entidade completa e acabada, e sim que é um processo em evolução.

     Evolução! Eis a palavra chave que sinalizará nosso caminho. Como tudo está evoluindo é possível encontrar no fio condutor do fenômeno evolutivo, as leis e princípios que regulam este transformismo e, a partir daí, descobrir a tendência do fenômeno e consequentemente seu telefinalismo.

     Entretanto, precisamos compreender, antes de tudo, como se situa o fenômeno da liberdade dentro do processo evolutivo. Sabemos através de Ubaldi que a meta principal da evolução é a unificação em todos os campos. Essa unificação é regulada pela Lei das Unidades Coletivas: "Cada individualidade é composta de individualidades menores, que são agregados de individualidades ainda menores." O termo individualidade aqui deve ser entendido num sentido mais amplo, abarcando tudo o que existe, seja material ou espiritual. A liberdade do indivíduo, porém está limitada pela unidade maior: A liberdade está sempre enquadrada no determinismo da unidade superior, e que é livre somente enquanto é elemento inferior componente de uma outra unidade superior que, relativamente ao inferior é sempre determinista. Assim em toda UNIFICAÇÃO se verifica uma reordenação determinista.(P. Ubaldi - Problemas do Futuro).

     Como existem infinitos planos evolutivos, podemos assim compreender que a liberdade relativa que o ser goza em cada nível evolutivo, progressivamente se transformará em um determinismo absoluto. Mas, perguntamos, não seria admissível que a liberdade que se perde a cada unificação não seja compensada, pela Lei do Equilíbrio, por outro tipo de liberdade? É conceito amplamente aceito que toda unificação traz consigo uma multiplicação de potencialidades, isto é, uma ampliação de poderes e do raio de ação da unidade maior: em um organismo o todo é maior que a soma de seus componentes elementares. O indivíduo, embora indiretamente, se vê de posse de uma liberdade maior do que a que possui isoladamente.

     Como exemplo podemos comparar o grau de liberdade de que dispõe um selvagem com a de um cidadão de uma sociedade tecnológica e culturalmente avançada. O primeiro desfruta de sua liberdade conforme arbitra sua vontade individual, mas esta liberdade está sujeita a limitações impostas pelo ambiente e pela sua força individual. Já o segundo embora limitado pelas leis sociais vigentes no seu meio, possui através da união com outros indivíduos de uma liberdade e uma potencialidade muito maiores que as que dispõe o primeiro. Como são infinitos os planos evolutivos, esta liberdade progressivamente se dilatará de forma absoluta.

     Assim a troca de uma liberdade-capricho por uma livre adesão a disciplina do todo produz, paradoxalmente, uma ampliação da liberdade individual. A expressão "livre adesão" é a chave para a criação de uma sociedade verdadeiramente orgânica e colaboracionista. A História nos mostra de sobejo o fracasso dos impérios criados pela imposição da força.

     Desta forma se levarmos ao limite este progressivo enquadramento das unidades menores nas maiores, a tendência será, no final do ciclo evolutivo, o surgimento de um organismo absolutamente perfeito, em que a caótica liberdade separatista do Anti- Sistema se evoluirá para o determinismo do Sistema. Mas, em compensação, surgirá paulatinamente uma "liberdade-obediência" cada vez mais ampla, fruto da ampliação das potencialidades de cada individualidade ao se enquadrarem numa unidade superior.

     No fundo, o fato pode ser explicado se considerarmos os atributos que definem a individualidade no Sistema original: o egocentrismo e o amor. O egocentrismo subtende os conceitos de liberdade e de separação. Já o amor representa a união, é a força reequilibradora da unilateralidade do egocentrismo. A perfeição está, portanto, no equilíbrio entre estas duas forças opostas e complementares. No Anti-Sistema surgido após a queda houve a exacerbação de um dos atributos em prejuízo do outro, isto é, a preponderância do fator liberdade sobre o amor, advindo daí a fragmentação da Unidade maior em suas unidades componentes menores.

     Vemos, assim, que a perfeição é o equilíbrio entre aspectos aparentemente contraditórios. Este equilíbrio foi rompido pela criatura usando a prerrogativa da sua liberdade em prejuízo do amor que cimentava o Sistema. Mas como a criação original era equilibrada por duas forças complementares o reequilíbrio tende a se restabelecer automaticamente (o que vem acontecendo por ação da evolução). É fácil agora entender a diferença entre "liberdade-capricho" própria do ser decaído e "liberdade-obediência" própria do Sistema perfeito. Em outras palavras: A "liberdade- incerteza", efeito da ignorância da criatura decaída se transformará na "liberdade-certeza" atributo da criatura perfeita. Desta forma podemos compreender o determinismo absoluto do Sistema como o exercício pela criatura de uma liberdade sem margens de erros.

     Compreendida a dicotomia existente entre Livre Arbítrio e Determinismo fica mais fácil entender o caso particular de nossas vidas que também é um fenômeno em evolução. Como um rio, somos livres para escolher o caminho que quisermos, mas estamos fechados nos limites de suas margens, que nos constrangem a caminhar, sempre para o seu ponto final: o oceano. Assim podemos apenas ziguezaguear de uma margem a outra ou tentar nadar contra a corrente que, no entanto, é mais forte do que nós e inexoravelmente nos arrastará para o oceano da divindade. Desta forma fica explicado a existência da premonição, das profecias pois estamos presos a um caminho evolutivo que leva do Anti-Sistema ao Sistema. Já percorremos este caminho em descida durante queda dos espiritos na matéria, agora estamos percorrendo-o em subida, pisando nos nossos próprio rastros.

      Caso você queira se aprofundar nestes instigantes temas de Livre Arbítrio e Determinismo recomendo a leitura do capítulo 11 (Livre Arbítrio e Determinismo) do livro Problemas do Futuro.

     abraços,
     Pedro Orlando Ribeiro

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