O panorama atual da realidade mundial é de rápida transformação em todos os setores da atividade humana. O meio físico também sofre mudanças em função desta atividade aparentemente descoordenada. Os danos ao meio ambiente crescem a medida que se aceleram estas transformações. A sociedade como um todo é levada de arrasto nesta onda transformista, mesmo que resista por inércia. Há uma destruição sistemática de valores materiais e espirituais, um desassossego, uma insatisfação generalizada, uma busca frenética de bens materiais, de domínio sobre os outros, de conquista de posições com prejuízo para com a solidariedade que deveria governar as relações entre as pessoas. A pergunta é inevitável: Para onde vamos e quais serão as conseqüências?
Como a História é feita com fatos e não com palavras, vamos analisar os acontecimentos ora em curso para encontrar suas diretrizes. O fato mais importante dos últimos anos foi sem dúvida a derrocada do regime Comunista que imperava no Leste Europeu cuja conseqüência imediata foi a valorização da chamada economia de mercado em todo mundo. Tornou-se patente a supremacia política das nações chamadas desenvolvidas sobre os países do terceiro mundo. Hoje, não há mais a contraposição do Leste contra o Oeste. Há somente a preponderância econômica e cultural do bloco das nações desenvolvidas sobre as subdesenvolvidas. Não há mais equilíbrio de forças opostas. Apenas a lei imposta pelo vencedor, ou seja, a valorização da chamada economia de mercado, a supremacia do Capital sobre o Trabalho. Existem expressões hoje muito em voga como Neoliberarismo, Reengenharia, Globalização da Economia, Privatização, Tecnologia, Concorrência, Competição etc.. que apontam para a idéia preponderante hoje no mundo.
Se a História fosse retilínea, seria extremamente fácil concluir qual seria o resultado a que esse processo nos levaria, bastaria examinarmos as qualidades e defeitos da Idéia predominante e extrapolaremos os resultados futuros: aumento da riqueza material, concentração da riqueza nas mãos de poucos, taxa de desemprego intolerável em conseqüência da eficiência e da automação dos meios de produção, enfraquecimento dos governos nacionais em beneficio do Capital Multinacional, prevalência do privado sobre o público. Em suma, uma economia eficiente com uma distribuição perversa da riqueza.
A História, porém, se desenvolve através do método da contradição entre opostos, do fluxo e refluxo de idéias e fatos contraditórios. Se há predominância momentânea de uma determinada idéia diretriz, no período histórico subseqüente haverá uma reviravolta com a valorização da idéia oposta. A ideologia prevalecente carrega consigo a sua contradição, embora atrofiada. Há sempre um dualismo atuante, ora com domínio de um ou do outro termo da contradição. A parte dominada da expressão dualística nunca se anula, permanece em gérmen aguardando o momento da eclosão. Este ciclo de ida e volta não é totalmente fechado, há progresso em virtude da assimilação da experiência anterior. A idéia predominante tem seu crescimento, apogeu e decadência, quando é então substituída pela sua oposta. A transição de uma para outra nunca é pacífica, há luta e atritos, como exemplo lembramos da Guerra Fria entre Comunismo e Capitalismo, com a vitória final do segundo.
Quando uma idéia diretriz se estabelece logo surge sua contradição, inicialmente frágil, mas que se fortalecerá em função dos abusos e excessos da ideologia dominante. A luta se acirrará na medida do crescimento da idéia oposta. É um jogo de cartas marcadas, a vitória será sempre da nova ideologia. Embora se possa chamar de nova, trata-se na verdade de ideologia antiga reformulada em razão de sua contraposição com a idéia que vai substituir. A nova idéia florescerá adubada pelos erros e excessos da anterior.
Para equilibrar este método dualístico da contradição entre idéias opostas e possibilitar o a evolução e o progresso da vida, a História usa outro método paralelo o da agregação de unidades menores em unidades maiores, através de uma organização do simples para o complexo, do crescimento orgânico das partes justapostas. Aqui também não vale a idéia de linearidade. A união não é apenas espacial e temporal é sobretudo orgânica. Embora seja uma justaposição permanece o princípio da organização hierarquizada. A criação destas entidades orgânicas hierarquizadas é um processo paulatino, sujeita a avanços e recuos em virtude do método da contradição entre opostos. Essa agregação se dá em todos os níveis de atividades, seja no surgimento de estados supranacionais, na globalização da economia, na união de interesses em torno de problemas que interessam a todos, na universalização da informação em face ao avanço das telecomunicações.
Se o princípio da contradição entre idéias opostas não fosse equilibrado pelo método da agregação de unidades menores em unidades maiores, não haveria o progresso que sempre existiu ao longo da História apesar de recuos periódicos. Da descoberta do fogo pelo homem pré-histórico até a conquista da Lua a evolução humana se desenvolveu de maneira cíclica passando por períodos construtivos seguidos por períodos destrutivos. A evolução da História é semelhante a figura mitológica de Sísifo, cuja tarefa imposta pelos deuses do Olimpo era de empurrar uma imensa pedra morro acima. Quando atingia o cume a pedra sempre rolava para o sopé do morro obrigando a Sísifo a empurrá-la novamente para o alto, repetindo seu gesto eternamente num ciclo infindável. Entretanto, os fatos históricos comportam de maneira um pouco diferente do mito, o novo ponto de partida fica sempre um pouco acima do ponto de partida inicial. Há sempre um ganho no cômputo geral. Para um olhar abrangente os fatos históricos parecem ziguezaguear ao longo do tempo.
Os períodos construtivos e destrutivos podem ser vistos pela alternância de guerra e paz, de crise e prosperidade, de liberdade e proibição, de ordem e caos etc... O ciclo maior da História é construído pelo somatório de ciclos menores relativos as inúmeras atividades humanas. Isto significa que um ciclo menor pode estar atravessando uma fase construtiva enquanto o ciclo maior está atravessando um período destrutivo. O que vale é a soma algébrica. Os períodos destrutivos têm a função de remover a superestrutura existente permitido no período seguinte a construção de novas estruturas mais modernas e complexas no local das antigas. Quando falamos de superestruturas estendemos seu significado para atividades políticas, econômicas, sociais, artísticas, científicas, religiosas etc...
Uma nova ideologia que substituirá uma ideologia dominante surge com uma maneira rude e violenta em que a materialidade é seu principal substrato, mas com o entrechoque com a idéia dominante ela se abrandará perdendo muito de seu lado material. Como ilustração temos o exemplo da evolução da justiça social. A idéia começou a se impor ao mundo através de revoluções sangrentas, greves selvagens, guerras e supressão da liberdade por governos totalitários. O seu aparente colapso final deu-se com a queda do muro de Berlim. Algum progresso se alcançou, pois a maioria dos países adotaram seus princípios mais elementares por força da oposição Comunista. Hoje parece haver um retrocesso nas conquistas da justiça social, mas é apenas um interregno, pois a idéia surgirá depurada mais a frente, ampliando seu espectro de ação para além da atividade econômica.
Cabe agora uma pergunta: Estamos atravessando no momento uma época construtiva ou destrutiva? Se olharmos pelo lado econômico material poderíamos afirmar que este é um período de ampliação dos horizontes econômicos, da globalização da Economia, da ampliação dos meios físicos de comunicação, a resposta correta seria construtiva. Mas, na esteira deste progresso econômico existe uma perda de valores morais, o surgimento de uma angústia crescente, a marginalização de grande parte da população, degradação do meio ambiente, recrudescimento do racismo, fortalecimento de nacionalismos xenófobos, decadência artística, imperialismo cultural e sobretudo decadência da fé religiosa que, refletindo a época atual, tornou-se um negócio. Em resumo, atravessamos um período de inversão de valores, com a predominância do material sobre o espiritual. Apesar do fim da Guerra Fria, as bombas nucleares continuam estocadas. O desarmamento de foguetes nucleares foi apenas um jogo de cena, pois nenhum país desativou ou destruiu a totalidade de suas bombas atômicas. Com a disseminação dos conhecimentos técnicos qualquer nação poderá fazer sua bomba nuclear. A receita da fabricação da bomba poderá ser encontrada até na rede Internet. O alto custo é a única barreira que ainda impede a proliferação das armas nucleares entre as nações do terceiro mundo.
Vemos então a atuação da Lei Histórica da Contradição entre Opostos (Lei do Dualismo), ou seja, a ampliação do campo material em detrimento do campo moral. Em outras palavras, atravessamos uma fase construtiva com relação ao progresso material e uma fase destrutiva no campo moral. É fácil notar que as atividades artísticas modernas passam por um período de decadência, em virtude do rompimento dos cânones artísticos do passado e surgimento de modismos efêmeros. Na Musica, após o apogeu do período em que sobressaíram nomes como de Beethoven, Mozart, Haydn e outros, entramos numa fase em que a tônica é o experimentalismo caótico, com abandono das regras harmônicas estabelecidas pelos mestres do passado. Na Literatura e no Teatro modernos a expressão comum é o desalento, o niilismo, a descrença, o pessimismo abissal tão bem caracterizadas nas obras de Samuel Beckett. A sátira sem ideais de Ionesco, o vazio interior dos personagens de Ulisses de James Joyce retratam bem nossa época. A própria Ciência tão valorizada hoje pelas suas conquistas tecnológicas, deve seu progresso a corrida armamentista. As conquistas científicas destinadas ao bem estar é sobejo da pesquisa bélica. Mesmo quando o intuito da Tecnologia é a busca de bens úteis para a vida humana, há uma cupidez e espírito de domínio subjacente que maculam o produto final. O resultado é um produto frágil, descartável para obrigar o consumidor a comprá-lo novamente. A propaganda enganosa vende gato por lebre, com promessas mirabolantes, principalmente no campo dos medicamentos, com a multiplicação de produtos desonestos. As correntes filosóficas que hoje predominam no pensamento humano, têm caráter hedonista (o Carpe Diem) ou são alicerçadas no Existencialismo ateísta, niilista de Heidegger e Sartre ou, pior ainda, na filosofia de Nietzsche, cujo pensamento enlouquecido com a idéia da supremacia da vontade de mando e poder sobre o bom, o verdadeiro e o belo, levou a Alemanha e o mundo ao genocídio da segunda guerra mundial.
Como o Pensamento é o ente criador da matéria, isto é, antecedente das formas criadas, ele é superior a matéria e, portanto prevalece sobre essa. Estamos então, atravessando um período destrutivo em virtude do pensamento condutor destrutivo. Cabe agora a pergunta: até onde chegará essa destruição, o que sobreviverá para servir de embasamento para o período construtivo que virá em seguida?
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