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A função da Lei contra a violação

Mensagem Original

    As perguntas que um companheiro de fórum enviou de Goiânia fizeram coro com certas dúvidas que me surgiram desde que tive oportunidade de ler Cristo. Com a esperança de vê-las definitivamente sanadas, recorro a seus conhecimentos e à enorme boa vontade que há tempos vem demonstrando com quantos buscam na obra de Ubaldi uma forma de enriquecimento espiritual.

    À página 34 do referido livro podemos ler que os espíritos, quando no Sistema, "não conheciam a função da Lei contra a violação" e "por isso se aventuraram na zona de sua própria ignorância". Também é sabido que os espíritos que caíram no Anti-Sistema terão, após um longo trabalho de reconstrução, adquirido "uma nova experiência que elimina para sempre a possibilidade de novos erros" (pág. 33). De posse dessas informações, parece-me lógico pensar que a grande diferença entre espíritos decaídos e não decaídos está no conhecimento da Lei, que só se dá de maneira definitiva após as vivências que o AS possibilita.

    Olhando a questão por este prisma, pergunto: seria lícito afirmar que os espíritos, depois de percorrerem todo o ciclo involução-evolução e com isso adquirirem o "direito de ficarem cidadãos do Sistema", tornar-se-íam superiores aos que não caíram, mas que aceitaram a Lei sem conhecimento de causa e movidos por uma possível falta de coragem frente ao desconhecido? É possível que Ubaldi tivesse em mente uma questão parecida quando perguntou para si mesmo: "Quem é mais forte - quem permanece soberano porque não encontra batalhas, ou aquele que se embrenha nelas e as sabe vencer?" (O Sistema, pág. 165).

    E, em decorrência da primeira, surge outra dificuldade: se levarmos em conta que a aquisição de uma nova experiência é o fator que inviabiliza futuros erros, o fato de não terem sedimentado o entendimento da Lei de "per se" , não deixaria os espíritos não decaídos na desconfortável situação de falíveis, bastando para isso insurgirem-se a qualquer momento contra a ordem estabelecida no Sistema, a despeito de terem visto as conseqüências da queda?

    Um abraço fraterno.
Eric de Souza Pires

Resposta

    Prezado amigo,

    Penso, que antes de examinarmos a questão que indaga se os espíritos decaídos, após um longo trabalho de reconstrução, se tornam superiores àqueles que optaram pela obediência, é necessário compreendermos, com mais profundidade, o que significa criação perfeita e, em conseqüência, o que é a perfeição individual de cada criatura.

    Para responder a sua dúvida, antes é preciso entender o que seja 1a e 2a criações. Segundo Ubaldi, no início só existia a Substância Divina indiferenciada. A primeira criação surgiu do transformismo da substância Divina e, por isso, toda a criação era perfeita pois sendo Deus infinitamente perfeito não poderia surgir Dele nenhuma imperfeição. A idéia que temos da Divindade nos leva a conceber Deus como um Ser além de quaisquer limites no que tange a perfeição, a onipotência, a onisciência, etc.

    Assim, a primeira criação era constituída apenas por individualidades perfeitas (os anjos), hierarquicamente dispostas num organismo absolutamente perfeito. Mas, como definir o que seja a perfeição das criaturas? Sob a visão Ubaldiana, as criaturas foram criadas perfeitas, mas é preciso acrescentar que eram perfeitas porque pertenciam a um sistema perfeito. Partindo do principio que Deus criou um SISTEMA PERFEITO é evidente que cada criatura tem um conhecimento proporcional à sua colocação dentro deste Sistema Orgânico. Como exemplo ilustrativo, podemos constatar que este conhecimento proporcional existe no corpo humano, embora este seja um reprodução minimizada (devido a queda) do organismo original. Qualquer órgão do corpo é perfeito dentro da sua especialização. O estômago é perfeito no que tange a sua função digestiva, o coração também o é em virtude de sua função no sistema circulatório. Além desta perfeição individual participam indiretamente da perfeição total do corpo através do funcionamento harmônico do todo. Na unificação de criaturas com especializações diferentes é que se constrói um maravilhoso Organismo de um colorido multifacetado. Se houvesse absoluta igualdade entre todos os membros não existiria um Sistema orgânico. Na realidade teríamos um Todo homogêneo, sem distinções, uma planície infinita sem nenhum ponto de referência. Outro ponto a observar é que este pseudo-Sistema não seria orgânico, já que não é possível organizar coisas iguais, pois são indistinguíveis entre si. Vê-se então que é inseparável da noção de Sistema, a idéia de desigualdade (eu diria especialização!) entre os diversos elementos singulares. No exemplo citado acima pode-se ver que de nada serviria o estômago, o coração e os demais órgãos do corpo humano se aqueles órgãos existissem separadamente. Assim a perfeição passa necessariamente pela unificação.

    Conclui-se desta forma que a definição de perfeição não passa obrigatoriamente pela igualdade absoluta. Perfeição de um Sistema orgânico tem mais o sentido de complementação e harmonização do que a de um nivelamento absoluto entre as criaturas. Fica patente agora que a noção de perfeição está intimamente ligada tanto a noção de individualidade como a de organismo hierarquizado. Em outras palavras depende tanto do elemento singular como do conjunto .

    Outro ponto a salientar é que a LIBERDADE é um atributo obrigatório de uma Sistema perfeito. Se não houver absoluta liberdade de escolha dentro do Sistema, este não seria perfeito. É importante não esquecer que o risco é um pressuposto básico da prática da liberdade. Não existe liberdade sem risco, se existisse não seria mais liberdade e sim, tutela ou totalitarismo. Assim, parte das criaturas no intuito de irem além do seus conhecimentos especializados, usaram da prerrogativa da Liberdade para criarem um Sistema separado. Foi assim que surgiu o ANTI-SISTEMA, que nada mais é que a 2a criação.

    Outro ponto a considerarmos é a natureza última da Divindade. Creio que para compreender a razão porque Deus nos criou basta considerarmos que a essência última da Divindade é o Amor. É do princípio do Amor é que se derivou todos os outros princípios e tudo o que existe. Ubaldi no livro Deus e Universo esclarece: Antes que qualquer coisa tivesse princípio, fora do tempo, nascido depois, existia Deus que foi, é e será sempre o Todo, ao qual nada se pode tirar, nem acrescentar, mesmo em sua criação, que não pode estar acima ou além, mas sempre, como Sua emanação. Sua característica fundamental era o amor, qualidade pela qual se exprime a natureza de Deus, princípio de que derivam todos os outros, primeiramente a liberdade do ser e, depois, as outras como o bem, a bondade, a harmonia, o poder, o conhecimento, a beleza. a felicidade etc.

    Vemos, assim, que o íntimo fundamento da criação é o AMOR . Ora, para que exista o Amor é necessário que exista dois termos o amante e o amado, ou, se colocarmos em termos teológicos, Criador e criatura. O Amor busca a complementaridade. Assim, creio eu, que foi esta a razão porque Deus destacou do Seu seio, por Amor, seres feitos à Sua imagem e semelhança, para amá-los. Desta forma surgiu o Sistema orgânico hierarquizado. O Sistema é Hierarquizado porque no caso do Amor entre as criaturas seria um absurdo a existência de dois entes perfeitamente iguais, ou seja clones de si mesmos. Mesmo se admitíssemos que esta hipótese absurda fosse verdadeira, como seria possível a existência de Amor entre um ser e sua imagem espelhada?

    Em resumo o Amor vem antes da Liberdade do ser e, portanto, é "maior" que esta. Sabemos que para se estabelecer uma relação de Amor é necessário o estabelecimento da atração entre as duas partes e em seguida o consentimento mútuo para que se concretize a relação. O consentimento representa o abandono pelo ser de uma liberdade sem limites para uma liberdade enquadrada dentro do ordenamento harmônico do Sistema. A Criatura viu-se frente a uma escolha entre uma liberdade sem limites ou a de ficar jungida as "doces cadeias" do Amor. Na constituição do Sistema era necessário que isto acontecesse pois o Amor não pode ser imposto, mas sim resultado da livre aceitação pela Criatura.

    Procuremos compreender o inteiro significado da palavra Liberdade. Liberdade não significa a escolha entre situações já conhecidas previamente. Não existe a plena Liberdade sem ignorância das conseqüências, caso contrário não seria Liberdade mas sim Determinismo pois a criatura saberia de antemão de tudo o que lhe aconteceria na sua existência. Se assim fosse o ser seria apenas um robô pre-programado Não existe livre escolha quando se conhece as reais conseqüências da desobediência. O atrativo da liberdade é o desejo desenvolver uma nova situação ainda não existente, uma miragem gerada pelo egocentrismo nascente. Como a criatura não pode ser igual ou maior que seu Criador (a parte é menor que o Todo) advém daí que o egocentrismo das criaturas limita o seu conhecimento e perfeição à "dimensão" real do ser em relação ao Todo. É conceito amplamente aceito que toda unificação traz consigo uma multiplicação de potencialidades, isto é, uma ampliação de poderes e do raio de ação da unidade maior: em um organismo o todo é maior que a soma de seus componentes elementares. O indivíduo, embora indiretamente, se vê de posse de uma liberdade maior do que a que possui isoladamente.

    De outra parte o Amor para ser Amor verdadeiro é necessário que seja uma "entrega total" ao seu oposto complementar. Mesmo no nosso mundo onde impera as regras do Anti-Sistema, o amor tem o significado de renúncia. Renúncia é abandono de direitos, e abandono não significa obrigatoriedade. No nosso cotidiano vemos a renúncia dos pais em relação aos filhos, do cidadão em relação à sua pátria, e acima de tudo a suprema renúncia de Cristo em relação ao Anti- Sistema.

    Desta forma podemos compreender, no texto de Ubaldi, que a essência do "discurso" de Deus é um convite ao conúbio entre Deus e as criaturas. Muitas criaturas aceitaram o convite e outras não, a explicação é a de que cada criatura tem uma individualidade toda própria e, portanto, possuem caracteres diferentes uma das outras e em conseqüência é previsível o uso do atributo da Liberdade de formas diferentes. Como um dos predicados da Divindade é a Onisciência, Deus saberia previamente que muitos não aceitariam o seu convite. Mas como a Sua perfeição e poder são absolutos, o Sistema por Ele criado já trazia no seu bojo um mecanismo (a Evolução) que mesmo respeitando a liberdade da criatura a traria de volta ao Sistema.

    Os seres estavam, portanto, conscientes que havia riscos na escolha pois, como dissemos acima, não existe a plena Liberdade sem ignorância das conseqüências Só Deus sabia das danosas conseqüências pelo fato de ser Onisciente. Mas, Ele também é Onipotente e por isso criou um Sistema capaz de auto-regenerar-se, mesmo respeitando a livre escolha de cada criatura.

    Isto posto, podemos concluir que as criaturas ao retornarem ao SISTEMA, após uma extenuante jornada evolutiva alcançarão novamente a perfeição que possuíam antes da queda. Mas, é preciso compreendermos que essa perfeição não será superior a anterior pois o que é perfeito não pode tornar-se "mais perfeito", o que seria uma contradição, Dessa forma, tanto os que caíram como os que permaneceram no Sistema terão o mesmo grau de perfeição que possuíam antes da Queda. A experiência adquirida pelos decaídos, após uma longa jornada evolutiva, foi acompanhada e observada pelos não decaídos e, portanto, "aprenderam" indiretamente a mesma lição.

    Deus por ser absolutamente perfeito não fez uma obra "provisória" e portanto não está "gestando" as criaturas através da experiência do Anti-Sistema. Fomos criados perfeitos e possuidores de uma absoluta liberdade de escolha. Apenas estamos colhendo o que plantamos seguindo nossa livre vontade. Apesar da Queda, o Sistema continua perfeito mesmo com a presença do Anti-Sistema no seu interior. O Sistema é semelhante a uma rede fluvial em que os rios podem escolher livremente seus caminhos mas, todos acabam inexoravelmente despejando suas águas no oceano. É por essa razão que o Sistema é perfeito, não importa as coisas que façamos seguindo a nossa vontade autônoma, que seremos habilmente conduzidos pela Lei Divina ao grande oceano da Divindade.

    É preciso recordar que nem todas Criaturas escolheram o caminho do Anti- Sistema. Inumeráveis Criaturas permaneceram no Sistema, o que indica que não é necessário adquirir a dolorosa experiência do Anti-Sistema para alcançar a consciência sistêmica, portanto, não foi necessário para elas "comer do fruto do bem e do mal" para a aquisição de uma perfeita consciência. e, por conseguinte, não era necessário a existência da queda se todos tivessem escolhido a permanecer no Sistema.

    Na realidade estamos aqui é para reconstruirmos a nossa consciência sistêmica obnubilada pela queda. Não haverá acréscimo a perfeição anterior pois não é possível acrescentar nada ao que já é perfeito por natureza.

    A afirmação de Ubaldi extraída do Capítulo 13 do livro O Sistema: Quem é mais forte - quem permanece soberano porque não encontra batalhas, ou aquele que se embrenha nelas e as sabe vencer? se refere a perfeição de todo o SISTEMA e não sobre um confronto entre as qualidades individuais das criaturas que regressam ao Sistema e as das criaturas que ali permaneceram imaculadas.

    O parágrafo completo onde essa frase está inserida é o seguinte:Qual sistema é mais perfeito: o que só conhece a perfeição, ou o que abraça também a imperfeição e sabe reconduzi-la, até a perfeição? Quem é mais forte: quem permanece soberano porque não encontra batalhas, ou o que se embrenha nelas e as sabe vencer? Qual dos dois construtores é mais sábio: o que fez um edifício tão perfeito, que não necessita ser estudado a possibilidade de um desmoronamento; ou aquele que fez um edifício onde essa possibilidade é tão bem prevista e estudada que, se ocorresse o desmoronamento, tudo se reconstruiria automaticamente até ao estado perfeito do edifício não desmoronado? Então, como se pode condenar Deus por não ter impedido o desmoronamento, mas respeitado a liberdade do ser e a necessidade de, por si, convencer-se, do erro; por isso, previu e providenciou tudo tão bem, que anulou todo o prejuízo?

    A restauração da perfeição das criaturas do Anti-Sistema não é apenas um processo individualista (de "per se" como você escreveu) pois a Evolução avança em bloco e é solidária entre os diversos planos. Não há compartimentos estanques dentro do processo evolutivo, o que está mais acima apóia sobre o que está mais abaixo para se desenvolver, mas, ao mesmo tempo arrasta o menos evoluído para níveis mais altos. A vida, além de vasta e complexa, é una e unitária. Assim, tudo caminha para a unificação em unidades maiores visando restaurar a perfeição do Sistema. Creio que basta olharmos a nossa volta para vermos esta marcha para a unificação de tudo o que existe em grandes unidades coletivas. A evolução do conjunto é mais importante do que a evolução individual, por isso a vida não pode abrir mão de um rico conjunto de conhecimentos individuais construído através dos milênios.

    Os espíritos não decaídos assistindo essa odisséia verão que fizeram a escolha correta e por isso exaltarão cada vez mais o Amor Divino. Para melhor compreensão da escolha entre a rebelião e a obediência a Deus, basta lembrarmos que no Sistema os seres se organizam unificando-se em individualidades maiores e, portanto, solidários entre si dentro da consciência coletiva comum a todos. A decisão pela revolta foi um consenso coletivo. Não se trata de uma revolta comum filha da ignorância mas sim de uma rebelião consciente, fortemente desejada. Assim também foi a opção pelo Amor Divino das criaturas não decaídas. Não se tratou portanto de um mero capricho de criaturas inconscientes, daí a enormidade da queda e das conseqüências danosas que por isso advieram para todos nós.

    Não sei se consegui dirimir todas as suas dúvidas, mas, me coloco a sua disposição para trocarmos mais idéias sobre esse tema tão interessante.

    abraços,
Pedro Orlando Ribeiro

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